Ilusões destruídas

 

Uma vida promissora corre o risco de passar em vão se não houver um entendimento lúcido acerca do passado. Muralhas não encobrirão tardios arrependimentos, castelos erguidos com areia padecerão na primeira ventania.

Murmúrios prolongam as noites escuras, reflexões auxiliam no processo de cura e perdão, permitem um contato íntimo com a realidade, favorecendo o amadurecimento, indicando o caminho a se seguir, que nunca é para trás, porque as lembranças mais doces e queridas estão guardadas num precioso baú para serem acessadas sempre que necessário, as desagradáveis são cicatrizes, algumas bem intensas, outras invisíveis, outras perceptíveis quando se olha de muito perto.

Algumas feridas não cicatrizam tão depressa, maltratam a alma até ensinarem que o atalho mais breve para o sofrimento é o desejo incansável de estar no controle de tudo... por puro medo. O fardo não seria tão pesado se houvesse um lampejo de consciência a indicar que o conceito da felicidade pode variar, mas uma certeza se tem nessa infinidade de cogitações: permanecer com a cabeça no passado é desperdiçar a chance de transformar o presente — por mais difíceis que sejam as tribulações — numa memória aprazível.

Ela levou muitos anos até dar-se conta de que nunca estava deveras sintonizada ao presente, buscava o que não mais tinha — ou nunca teve, um passado utópico, inventado, a recriação de uma lembrança, portanto, nada a preenchia porque a miragem para a qual olhava refletia os anseios quase irracionais de alguém que tinha medo de crescer e desprender as mãos suadas do barbante grudento, soltando o balão para ele seguir o ritmo do vento.

O discernimento cobrou um valor exorbitante por uma conclusão que poderia ter se dado sem haver a necessidade de tanto sofrimento. Muitos deles foram criados pela mente dela, por forçar situações, usar a força para adentrar em festas cuja presença não era bem-vinda, o sacrifício sem glória de conquistar corações que nunca se empenharam em averiguar e praticar o significado de reciprocidade.

Ilusões destruídas, esse era o revestimento dos espinhos que machucavam os pés dela durante a solitária caminhada de volta para casa. Ela amava os sonhos que acalentou, não a realidade que se mostrou sem máscaras. As sequelas da rejeição são aquelas feridas que teimam em não cicatrizar nunca, mas servem para lembra-la do que pode acontecer se insistir num erro.

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