Horácio e Meire visitaram diversos imóveis desocupados antes de escolherem uma pacata casa de alvenaria de fachada verde-claro com uma garagem razoável, dois dormitórios, sala, cozinha, dois banheiros, área de serviço e um quintal bonitinho para onde nos mudamos em 05 de janeiro de 1998, lembro-me até do dia porque acordamos muito cedo para receber o caminhão de mudança que levaria nossos pertences ao novo lar, situado do lado esquerdo de uma rua muito pacata.
Meire bem que tentou manter-me matriculada naquela escola, todavia seguiu o conselho de Horácio: transferir-me para uma instituição de ensino melhor. Ela discordou porque preferiria investir mais na condução, o que na ponta do lápis significariam grandes renúncias, até que, por fim, viu-se obrigada a modificar os planos e, em consequência disso, um pouquinho de autonomia.
Todo entardecer a criançada saía para brincar na rua e eu não podia me apresentar para fazer amizades porque Meire não permitia, bradando que eu não era “largada”, ao mesmo tempo, em que reclamava da minha falta de amigos, de modo que o início daquele ano de 1998 era um presente de Deus para mudar a minha história porque eu ingressaria numa instituição onde ninguém me conhecia e poderia ser uma nova pessoa, uma menina de dez anos como qualquer outra.
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Mamãe e eu nos dirigimos para o centro da cidade comprar o material escolar e o uniforme, encontramos um estúdio onde tirei as fotos 3×4 para a matrícula e a carteirinha da escola (tenho-a guardada até hoje) e eu sentia-me flutuando nas nuvens de tão feliz porque quando contemplei pela primeira vez aquele quarteirão arborizado, aqueles blocos coloridos e de longe uma passarela de toldo azul, não me restaram dúvidas de que seria um ano maravilhoso.
Aquela certeza tilintava em meu peito. Livre do azedume da professora Dulce, do quarteto da Cássia Reis, das peças ridículas que os meninos pregavam em mim. Adeus, empurrões, chutes, calças abaixadas, meu nome colocado de propósito na lista dos bagunceiros para levar bronca. Os ouvidos agradeciam sobremaneira o livramento de não precisar mais ouvir os discursos da diretora Norma, que quando pegava um microfone e dava para falar, não parava mais. Ótimo, ótimo.
Cadernos universitários, canetas coloridas à vontade, novas disciplinas e o sonho de poder lanchar sem ter de me esconder no banheiro ou ficar perto de uma servente para ninguém me roubar e/ou me bater. Qualquer instituição de ensino seria suficientemente interessante vendo por esse ponto.
O novo colégio oferecia vagas de 5ª a 8ª série apenas no período vespertino, mas era bom poder dormir até às 09h, acompanhar meus desenhos animados prediletos no TV Travessura, tomar banho lá pelas 11h, almoçar de preferência antes do meio-dia e ao meio-dia e dez estar no ponto de ônibus situado a três quadras de minha casa, para descer no terminal e apanhar outra linha que me deixaria em um tubo quase na frente da escola porque o primeiro horário era às 13h, às 15h30 tínhamos vinte minutos de intervalo, pois o último sinal soava às 17h30.
Nunca havia estudado à tarde na vida e no comecinho seria um pouco estranho. Eu deveria NO MÁXIMO estar em casa às 18h. Um minuto depois e eu seria uma abóbora espatifada.
Para Meire era um desafio enorme deixar-me ir à escola sozinha. Horácio, por sua vez, a convencia de que seria bom aprender a ter mais autonomia e responsabilidade porque um dia eu precisaria saber me virar por aí, sem falar que eu era uma das poucas garotinhas de dez anos que não tinha amigas e isso me machucava, mamãe nem imaginava o quanto.
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