Ávidas por expandir o círculo de amizades, no final da primeira semana de atividades, Francielle e eu ensaiamos aproximação com as outras meninas da classe. As opções não eram lá as mais animadoras porque éramos em apenas oito (contando comigo) representantes do sexo feminino.
Alguns professores elogiaram o fato de a nossa turma ser quieta e comportada, no entanto, foram observações preliminares, pois os moleques estavam escondendo o jogo, traduzindo para um português mais claro. Spoiler: Meses depois, a 5ª B seria nada menos que o terror da escola.
Nosso grupinho era composto por Francielle, pelas Marianas Franco e Oliveira, a enigmática Juliana e, claro, por mim. Oliveira era a mais velha com doze anos recém-completos por ser repetente, Franco veio de uma escola primária da região (da qual sentia saudades) de onde conhecia uma amiga de Juliana. Eu, para não contar sobre o primário infernal, calava-me ou então saía pela tangente.
Mariana Oliveira gostava de um menino da igreja dela, mas nunca tinha coragem de falar com ele; Juliana e Francielle não conversavam sobre garotos, eu muito menos.
Mariana Franco fora atingida pelo vírus da paixonite e estava obcecada pelo Roni, da 5ª A, obrigando-nos a passar o intervalo inteiro espionando um grupo de moleques aloprados jogando bola na cancha, tudo para ver o bonitinho dar pinta de artilheiro.
Nossa rival era a 5ª A, cuja vantagem era das meninas, ampla maioria, transformando o Roni numa lenda.
Rafaela era a sensação por conta dos olhos azul-acinzentados, dos longos cabelos castanho-claros presos em tranças, por ter a pele pálida de tão alva e ostentar o material escolar caríssimo, acessórios estilosos e calçar um Allstar jeans que virou moda no quinto ano.
Os meninos da minha sala paravam tudo para ver Rafaela sentada numa escada na companhia das seguidoras que compravam o lanche para ela diariamente, folheando revistinhas adolescentes, escrevendo rolos de “eu te amo” para os galãs de novelas, garotos de bandas e fazendo colagens nas agendas coloridas.
Rafaela tinha um estojo cheio de canetas coloridas de todos os tipos, a famosa caixa de lápis de cor com 48 cores, um conjunto de canetinhas de ponta fina, cadernos universitários fofos de capa dura, além de colecionar todos os CDs das bandas do momento, trazendo-os para as amigas ouvirem e as demais meninas (a exemplo de mim e da Francielle) cobiçar.
Rafaela trazia uma revista e já havia uma fila de meninas pedindo o exemplar emprestado, mas Kelly era a melhor amiga, e, portanto, prioridade em comparação as demais, roendo as pequenas unhas de ansiedade. Como vocês bem sabem, de brinde vinha pôster de algum artista e nunca um pedaço de papel fora tão disputado, as pré-adolescentes enlouqueciam em histeria com qualquer novidade acerca de seus ídolos.
Vivíamos provocando as meninas da 5ª A só porque, segundo nós da 5ª B, elas eram umas patricinhas. E eram. Idiotas, metidas, enjoadas. Não nos deixavam nem sequer chegar perto da escada que dava acesso ao outro lado do colégio. Era onde lanchavam todo dia.
Os barracos da 5ª série rendiam risadas aos marmanjos da 8ª. Para nós era 3ª Guerra Mundial, questão de vida ou morte. Queríamos mandar na escola, sentar naquele lugar tido por nós como “encantado”.
As meninas da 5ª B fazem a força. Nosso pífio lema.
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Num dia de março, minha turma não teve a terceira aula. Partiu de mim a ideia de comprarmos os nossos lanches antes de soar o sinal para o recreio e guardar os lugares na tal escada encantada. E fomos. Com nossas pipocas, refrescos, torrones e balinhas.
― As patricinhas perderam para nós. ― Eu me gabava como se fosse Napoleão Bonaparte ao expandir o seu império.
― Elas perderam ― concordou Francielle.
Brada com sabedoria um velho ditado que nunca é bom bradar vitória antes do tempo. Dito e feito. Rafaela e as amigas chegaram. O circo estava armado, respeitável público.
― O que vocês estão fazendo aqui? ― Rafaela nos arrostou.
― Ué, nós estamos lanchando. ― Respondi.
― Esse é o nosso lugar. ― Rafaela bateu os pés de tênis cor de rosa no degrau onde eu estava.
― Era! ― De pé, empurrei Rafaela que se segurou no corrimão: ― Agora não é mais e vê se procura outro canto porque esse já está ocupado!
― Não mesmo! ― Insistiu Rafaela, retribuindo o empurrão. ― Eu o encontrei por primeiro, portanto, ele é meu! Eu não sou sua amiga, então não quero você por aqui.
― Você não é a dona da escola e, sendo assim, posso sentar aonde eu quiser e você não pode fazer nada.
― Mas esse lugar é meu ― gritou a garota.
― Vai embora você.
― Não me enche porque quero lanchar. ― Sentei-me ao lado de Francielle, voltando a comer pipoca-doce e beber refrigerante de laranja naquela embalagem chamada de caçulinha.
Rafaela apanhou a minha bolsinha de lanchar, dando a entender que queria um acerto de contas e não sossegaria enquanto não tomasse o seu lugar novamente.
― Você ainda não foi embora? ― Ralhei, fazendo o mesmo que a Cássia Reis fazia comigo na outra escola.
― Não! ― Desafiou a baixinha.
― Devolve a minha bolsa.
Rafaela passou a bolsa para a Kelly e uma ficou jogando para a outra, mesmo com os meus protestos. Impaciente, decidi que resolveria aquele assunto na briga. E com um empurrão.
― Você me empurrou? ― Rafaela estava possessa.
― Sim, empurrei! ― Você me empurrou! Empurrei de novo.
― Eu não acredito! Você deixa ela te empurrar? ― Indagou Kelly, a melhor amiga de Rafaela.
― Claro que não! ― A baixinha replicou, revidando com outro empurrão. Rafaela e eu trocamos alguns puxões de cabelo.
Francielle, para defender-me, agarrou nas marias-chiquinhas da Kelly, insuflando assim uma briga generalizada que só cessou com a chegada da diretora Vera Lúcia, que separou as meninas e passou o maior pito em todo mundo.
― Dessa vez deixarei passar, mas da próxima todo mundo vai para a minha sala, levará advertência e eu chamarei os pais. Onde é que já se viu meninas lindas e inteligentes ficarem aí brigando à toa? Que coisa mais feia! — Advertiu a respeitável Sr.ª Vera Lúcia, encarando-nos de modo que não precisava traduzir em palavras o que aquele olhar significava.
Abaixávamos as cabeças e fingíamos pedir desculpas umas às outras, mas por debaixo dos panos as picuinhas continuavam. Inevitavelmente, a rixa movimentava ambos os grupinhos. Perdia-se a luta, jamais a guerra. Tão comum de ser criança, fazer tempestade quando apenas um pingo de chuva tocou o antebraço. Tão bom que tudo se resolvesse com pipocas e caramelos.
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