Hoje é sexta-feira e você já sabe que no OCDM tem literatura no happy hour, tem Mary Recomenda, sempre com uma sugestão de leitura para o fim de semana ou, neste caso, para o mês.
O livro de hoje dispensa longas apresentações, a típica “leitura de vestibular”, que pode afugentar muitos leitores num primeiro momento. Essa obra-prima do escritor paraibano José Lins do Rego merece um espaço especial aqui no blog porque já esteve na lista das obras indicadas para resolver as questões de literatura do vestibular da UFPR.
Minha resenha é simples e resumida. Não sou especialista em literatura, só quero deixar minhas considerações sinceras sobre um livro que me atravessou mais do que eu esperava.
📝 Ficha técnica
Título: Fogo Morto
Autor: José Lins do Rego
Editora: José Olympio
Ano de publicação: 1965 (obra originalmente de 1943)
Total de páginas: 414
🔥 Um romance de decadência: a crítica por trás do engenho
Fogo Morto pertence ao chamado Ciclo da Cana-de-Açúcar, iniciado em Menino do Engenho (1932), e é um marco da segunda fase do Modernismo brasileiro, com forte caráter regionalista.
Mas é importante destacar: aqui o regionalismo não é folclórico nem idealizado — é crítico, cru, real. José Lins retrata a miséria, o declínio dos engenhos, o racismo estrutural, a violência doméstica e o autoritarismo como parte do cotidiano. Um reflexo implacável da realidade nordestina no fim do século XIX e começo do XX.
🪓 Parte 1 – O seleiro que caminha à noite
A primeira parte apresenta José Amaro, seleiro do Engenho Santa Fé. Um homem frustrado, pobre, ressentido e sem voz diante dos coronéis. Ele vive uma vida de amargura e covardia disfarçada de orgulho.
Ele espanca violentamente sua filha Marta, já adulta, solteira, e com crises nervosas. Depois disso, Marta é internada na Tamarineira e sua esposa, Sinhá, passa a ignorá-lo. José Amaro mergulha numa solidão tão profunda que só lhe resta caminhar à noite pelos arredores, o que faz surgir o boato de que ele é um lobisomem.
👑 Parte 2 – O engenho dos sonhos e o senhor de nada
A segunda parte reconstrói o passado glorioso do engenho, com o capitão Tomás Cabral de Melo. Um patriarca que ergue tudo com as próprias mãos, sonha com o progresso e deposita suas esperanças nas filhas, porém, acaba morrendo desapontado ao ver o genro Lula Chacon herdar seu trabalho e destruí-lo com arrogância, incompetência e vaidade.
Lula é violento com os escravizados, prepotente com a sogra, e impede que sua filha Neném conheça o mundo. Após a abolição da escravidão, muitos ex-escravos abandonam o Santa Fé, e o engenho começa a ruir — não somente na produção, mas como estrutura simbólica de poder.
A personagem Amélia, esposa de Lula, tenta sustentar o que resta da dignidade da casa. No entanto, tudo se desmancha — inclusive as pessoas.
🎭 Parte 3 – O Quixote nordestino
Na terceira parte, o destaque é o capitão Vitorino, também chamado de Papa-Rabo. Inicialmente visto como figura cômica, ele se revela o personagem mais idealista e corajoso, enfrentando autoridades, coronéis e cangaceiros, defendendo o que acredita ser justo.
Ele se contrapõe a todos os poderes instituídos, inclusive ao próprio José Amaro e ao cangaceiro Antônio Silvino, mostrando haver resistência até onde parece só restar a decadência.
🧩 Três homens, três retratos de um país quebrado
As três partes se costuram para formar o que José Lins parece querer dizer: a morte do engenho não é somente a morte da lavoura — é o fim de uma era, de um modelo, de um Brasil. O “fogo morto” é o símbolo do que não se renovou, do que se recusou a mudar e apodreceu.
Esse livro é um documento. Um romance social. Uma denúncia. E, ao mesmo tempo, um mergulho na psicologia de homens arruinados por orgulho, ganância, silêncio e covardia.
🚫 Um alerta: este livro não é para todos
Não recomendo a leitura se você:
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procura finais felizes;
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não gosta de literatura brasileira;
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espera descrições fantasiosas ou heróis românticos.
Se você quer entender um pedaço da história do Brasil que muitos fingem que não existiu… leia. Se você quer amadurecer como leitora, leia. Se você acredita que a literatura transforma, siga em frente.
💬 Considerações finais
Fogo Morto é um livro que exige entrega. Não dá para ler esperando se encantar, mas dá para sair dele mais lúcida. Você vai encontrar machismo, autoritarismo, racismo, adultocentrismo, elitismo. Vai encontrar também personagens femininas caladas, silenciadas, adoecidas — e isso também é denúncia.
É nesse embalo que o Mary Recomenda de hoje chega ao fim, mas nosso encontro já está marcado na próxima semana. Até lá!
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