Parte 3: Habemus Grinch
Para receber as visitas na casa, a diva teve muito trabalho para deixar tudo limpo e não esteve sozinha. Gravou de antemão as edições referentes ao Natal e ao ano-novo do programa e desde manhã cedo ocupava-se em faxinar, contando com a ajuda de Lilly, Luís Carlos e Jaqueline, embora nosso querido “energúmeno” não gostasse muito de varrer debaixo das camas, contornos, quinas e fosse estabanado por natureza.
— Nem. Pense. — advertiu Noviça, entredentes. Não por menos, Luís Carlos quase varreu os pés dela. — Ouse fazer isso e será expulso para sempre de qualquer celebração da Malacubaca.
— Foi mal.
— Foi mal — arremedou Noviça.
******
Nada animado para ir, Eduardo Meirelles precisou apelar para o Google a fim de descobrir alguma desculpa esfarrapada o bastante para Noviça acreditar. Listou algumas “simpatias infalíveis” para praticar, mas não sem antes recorrer à Renata, ainda se recuperando de uma complexa cirurgia nas costas.
— Vou tentar colocar azeite no umbigo. Dizem que isso afasta compromissos indesejados.
— Onde você leu isso?
— No site dos videntes L&L.
Renata abanou a cabeça, rindo.
— Esses dois charlatães inventam cada uma que até parecem duas. Azeite no umbigo? Só me falta dizer que, se colocar uma moeda debaixo do travesseiro, enriquece.
— Essa simpatia também consta. Nunca testei para comprovar. Vou tentar o truque do alho debaixo do sovaco. Já ouvi dizer que causa uma sensação de febre.
— Botar alho debaixo do sovaco para dar febre é do arco-da-velha! — exclamou Renata.
— Na época do colégio dava certo! — defendeu-se ele.
— Gargareje água quente pouco antes de sair, a garganta incha que é uma beleza e dá a impressão de se ter febre — propôs Renata.
— Estou com alergia a... decorações de Natal. Sim, sou alérgico a enfeites brilhantes!
— Alergia a decorações de Natal?
— Dizer que estou com cólica menstrual está fora de cogitação.
— Inventar um irmão gêmeo distante que surgiu do nada.
— Essa é boa: meu estômago rejeita comidas natalinas.
— Piriri natalino é boa!
— Eureca! — Edu estalou os dedos: — Sinto muito, chefa, mas ocorreu um imprevisto: meu gato adoeceu e eu precisarei passar a noite cuidando dele.
— Desde quando você tem um gato?
— Ela não precisa saber que eu não tenho um gato. — Ele piscou o olho direito. — Posso tê-lo encontrado hoje de manhã.
— Ela sabe que você tem rinite, querido.
— Exatamente — concordou o bonitão. — Fui diagnosticado com rinite natalina, os pelos das renas do Papai Noel fazem o nariz coçar até o fim.
— Noviça acredita em Papai Noel?
— Noviça acredita em mercúrio retrógrado…
— Decerto porque para acreditar que você leva jeito, só sendo uma incurável sonhadora mesmo.
******
— Hoje a noite vai ser boa… Ótima… — Noviça fazia o desjejum com Jaqueline em uma mesa redonda na parte externa da casa.
— Assim espero!
— Hoje muitos ficarão com o queixo caído quando o Meirelles me entregar o presentão dele.
— Vai com calma, mãe. Menos expectativas, menos decepções.
— De qualquer maneira, a presença de Meirelles já é um presente.
— Isso se ele comparecer, o que eu ainda duvido muito. Ele é o rei das promessas e das desculpas esfarrapadas que não convencem nem pensamento.
— Essa dor de cotovelo se deve ao fato de você não seguir os passos da sua mãe e não ter uma centena de pretendentes babando aos seus pés.
— Até tenho pretendentes, mas não sou maluca de trazê-los a esse hospício que é a nossa casa.
— E eu lá sou psiquiatra? — Noviça, com as mãos em volta da cintura, encarou a filha, sem entender a referência.
— Não, mas seria muito bom conhecermos um.— Se ele for bonitão, pode convidá-lo para o Natal e para o SDV. Vou ver na minha lista em que número ele fica. O Meirelles e o Will não largam o número 1 por nada, o Clô faz doce com o número 2 e a partir do número 3 estou livre.
— Mãe, você é estranha!— De perto, todos somos.
— Você se supera em gênero, número e grau. Nenhuma das mães de amigos acreditam em marcianos — Ela contou nos dedos: — Nem tem amigos esquisitos, nem acreditam que é super bacana falar consigo mesma no twitter e nem saem cantando adoidadas no meio da rua ou no corredor de um supermercado…
— E daí?
— E daí que as pessoas comentam!— E daí?
Jaqueline manteve-se calada. Escancarar o sentimento de vergonha alheia arruinaria os festejos natalinos e diria mais acerca dela própria do que dos comportamentos excêntricos da mãe.
— Já sei — Noviça rolou os olhos. — Você não tem coragem de dizer que sente vergonha da sua própria mãe!
— Não, não é isso!
— Diga-me agora quem tem uma mãe que é a primeira-dama da Malacubaca, já foi âncora do Vinte Horas, musa dos distritos policiais de Balneário dos Anjos e popularizou o sonho de goiaba na cultura popular? Mais, esteve a frente de grandes coberturas jornalísticas das últimas duas décadas e revolucionou o ano-novo na televisão, conhece alguém? Essa pessoa tem moral com o Will, o Meirelles e uma centena de garanhões? Está perto dos 50 com corpinho e carinha de 35? Fez do vestido Pink com paetês superar o branco na virada? Popularizou o sonho de goiaba e protegeu o mundo de uma possível invasão marciana em 2012? Se o mundo não acabou há exatamente um ano, deva essa proeza a mim, pois os marcianos estavam obstinados a exterminarem nossa civilização… Eu! — Ela bateu com as mãos no busto: — Fui eu… Fiquei na linha de frente, sendo a testa de ferro, negociando… E cadê o reconhecimento? Nenhum, como sempre. Por sorte, não me importo com o mau gosto de alguns.
******
Horas depoisNoviça publicou uma foto faxinando a casa para atualizar o perfil dela no Facebook. Alguém comentou que a diva ficou parecida com a Glória da animação Madagascar com o avental rosa.
@NovicaDiva E me digam que estou parecendo com a Glória do Madagascar pra ver só uma coisa. #xatiada
@NoviçaDiva Porque seria o mesmo que dizer que o Luis C. parece o Vacão do desenho do Rocko.
******
Realmente Luís Carlos comprou um terno novo em um brechó, tudo para compor um estilo natalino e vintage. Antes de contemplar-se em frente ao espelho do quarto, colocou a lapela no paletó e sorriu satisfeito com o resultado.— E aí, gatão? — Luís Carlos fez algumas poses engraçadas em frente ao espelho. — Você mandou bem, garanhão! Olha só que luxo!Ele caminhou até a cama de casal, olhou para a foto de Christiane no porta-retrato e anuiu tristemente, segurando o objeto em mão para falar com a fotografia como se lá de terras distantes, a amada pudesse ouvi-lo:— Uma pena que a sogrinha passou mal lá na França, eu queria tanto que você estivesse aqui. Espero que tudo fique bem e a gente passe o próximo Natal juntos!
******
@NoviçaDiva E lembrem-se que quem copiar o meu modelito vai ser praguejado pela diva. Isso não se pode fazer.
@jackypitico Depois vc reclama que eu te dou unfollow, mas vc só diz coisas esdrúxulas aqui, mamys.
@NoviçaDiva Esdrúxula é vc que não tem ninguém pra conversar no twitter.
@jackypitico Gosto de saber o que está rolando e não ficar falando comigo mesma. Isso é muito broxante…
@NoviçaDiva Sou tão chata assim?
@jackypitico Não aliviando sua barra, é sim. É muito chata. Aliás, vamos voltar a trabalhar que a casa não se limpa sozinha.
@NoviçaDiva E depois dizem que os marcianos não conspiram contra mim…
@jackypitico Minha mãe pensa que paramos nos anos 70.
@NoviçaDiva Os anos 70 e 80 foram as melhores épocas para se viver, menina ingrata.
@jackypitico Entrar na Malacubaca é como ingressar numa cápsula do tempo… Tudo é do tempo da manivela…
A Malacubaca viveu momentos de glória nas décadas de 70 e 80, o auge da Disco Music. Promovia centenas de festivais de dança, apresentava os grandes sucessos que bombavam pelo mundo e quem ficava em casa no sábado em função de preservar a moral e os bons costumes, não ficava chupando os dedos porque depois do noticiário a música rolava solta até a sessão de filmes.
A moda disco era uma febre entre a juventude. Quem viveu sabe disso. Nunca se esquecerá. Quem não viveu ou queria ter vivido, ou tem curiosidade de saber o que acontecia. Jaqueline adora os anjos 70 e 80, mas diante dos amigos moderninhos, é obrigada a dizer que não.
— Não sei como existe gente que goste dessas músicas de qualidade duvidosa que tocam hoje em dia. Até hoje não me conformo que as discotecas tenham caído no abandono, que minha humilde fama de rainha do baile não seja mais nada.
— Você foi rainha do baile? — Jaqueline, incrédula, indagou.
— Ô se fui. Eu abria e fechava o baile.
— Ah, já sei! Você era a porteira! — desvendou Luís Carlos, empanturrando-se de nozes.
— Não! — respondeu Noviça, contrariada. — Eu era a rainha do baile. Não tinha baile sem mim.
— Você colocava as músicas?
— Eu iluminava aquele recinto…
— Já sei. Você era a eletricista?
— Já chega, energúmeno. Vai me deixar continuar ou não?
— Duvido que você tenha sido a rainha do baile.
— Pode duvidar o quanto quiser, bobão. Fui rainha do baile, fiz história dentro das discotecas, inspirei gerações, tanto é que essas cantoras de hoje em dia sempre imitam o meu cabelo. — Empolgada, ela jogou os cabelos ondulados para os lados: — Madonna… Madonna é uma fã dos meus passos, do meu gingado e antes de ficar famosa tomou um café comigo me pedindo umas dicas pra seduzir, arrasar… Vocês viram que deu bastante certo para ela, que ficou famosa e conquistou o mundo… E tudo por quê? Por ouvir os meus conselhos, seguiu os meus passos… — Vigiava o forno enquanto os outros engoliam as gargalhadas. — Nunca mais a vi por aqui, até que um dia ela me ligou e perguntou se eu aceitava a homenagem em Who's that girl e eu disse: Como assim, Maddy? Você é quase uma irmã pra mim, pode me homenagear e vir aqui trabalhar na Malacubaca comigo, me conceder uma entrevista e tudo o mais. Para você sempre vai ter um vaguinha e se não tiver, eu arranjo. Para quem duvida, ela veio mesmo, mas um imprevisto de última hora impediu-me de viajar e gravar o clipe.
— E cadê essa entrevista que eu nunca vi?
— Em 1989 houve um terrível incêndio na antiga sede da Malacubaca e o fogo consumiu boa parte do acervo. Inclusive, se essa emissora ainda tem um acervo considerável, agradeçam a mim, que em plena madrugada, saí de casa um frio de lascar o rabo da gralha, para proteger a nossa amada Malacubaca. —
Emotiva, tirou do bolso do avental um lenço de seda para enxugar as discretas lágrimas derramadas:
— Minha entrevista com a Madonna se perdeu…
— E que perda! — satirizou Lilly.
— Digo o mesmo. Eu nunca me conformei.
— Vem cá, mãe: por que não tenta de novo? Agora vocês devem ter muito mais coisas para confidenciar, podem até gravar um single juntas, nunca pensou nisso?
— Agora ambas vivem com as agendas cheias. — suspirou. — Quando um evento desses se repetirá? Nunca mais! E pensar que um dançarino dela se apaixonou por mim e não queria voltar mais para os states. Ele prometeu que faria tudo que fosse possível para ficar comigo. O que vocês acham que respondi? É lógico que eu disse sim! Entretanto, sou uma diva muito desafortunada no amor: bem no dia do nosso noivado, ele morreu…
— Que trágico!
— Agora entendo por que o Meirelles nunca oficializa o relacionamento. Você é uma viúva negra, cruz credo. Até hoje todos os seus noivos morrem — refletiu Luís Carlos, ao que os demais concordaram.
— Uma coincidência, ora. Que culpa tenho se os homens morrem de emoção quando namoram comigo?
— Quanto azar pra uma mulher só.
— Pobre Donald… Ele era parecido com o Meirelles…
— Todos são.
— Esse era mais… Tanto que quando vi o Meirelles na minha frente, quase empacotei!
— Também não é pra tanto, mãe.
— Meirelles devia ser patenteado como o patrimônio da humanidade.
— Se for pelas desculpas esfarrapadas, apoio a candidatura.
Lilly e Luís Carlos levantaram as mãos em apoio à proposta de Jaqueline e disseram em uníssono.
— E eu também.
— Quem deu permissão pra sair comendo as nozes?Ele deu de ombros.
— Eram para a torta, não sabia, não? — bronqueou Noviça.
— Deviam ter me avisado.
— Deviam ter me avisado — Lilly arremedou o irmão. — Sai enfiando a mão na cumbuca dos outros sem pedir licença e a gente nem sabe se esse daí lavou a mão após ir ao banheiro.
— É só um tira-gosto.
— Eu, se fosse você, pegava leve no tira-gosto. No ano passado fui me entupir de nozes e castanhas como se fossem pipocas e fiquei com o fiofó assado de tanto limpar — confessou Noviça.
— É por isso que estou sentindo um revertério, um negócio esquisito — contou Luís Carlos.
— Quem mandou ter o olho maior que a barriga? — provocou Jaqueline. — Ainda bem que comprei mais nozes, por precaução.
Luís Carlos deixou a cozinha às pressas.
— Vocês são insensíveis demais para entender o que se passa no coração de uma pobre diva. Caçoam dos meus feitos, duvidam das minhas afirmações. E o que me resta? O que me resta? Digam-me, o que resta? Pensar que risquei tantos salões e para essa juventude não representa nada.
— Os tempos são outros, mãe.
— As coisas mudaram muito radicalmente. Fico chocada com as músicas ridículas que falam, falam, mas não dizem nada; aquela bagunça que chamam de som para dançar. — Ela fez o sinal-da-cruz: — Credo em cruz, o que é aquilo? Prefiro relembrar meus tempos de dancing queen e ensinar para essa gentinha o que é música de verdade.
Enquanto Noviça relembra suas amizades dos tempos de disco music, os preparativos para a ceia estava perto do fim e a festa somente no início…

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥