Arquivo Malacubaca Especial de Natal | Parte 2: Popstar do Hortifrúti (2013)

 


Parte 2: Popstar do hortifrúti 



Convidado por livre e espontânea pressão, Edu Meirelles prometeu comparecer. Não fazia questão da ceia, mas praga de diva pega, é um mau negócio e recomenda-se não pagar para ver.

Chegou a hora de fazer as compras para a ceia de Natal. Noviça já estabeleceu os pratos a serem servidos, contemplando os gostos de cada um. Aconselharia de antemão a tirar o escorpião do bolso porque, como de praxe em todos os anos, o preço do peru subiu 20,15%.

— Que cara amarrada é essa, Jaqueline? Estamos nos preparando para o Natal, não para um velório! Anime-se, filhota. Entre neste mercado e dê uma olhadinha para a câmera com aquele olhar 43, para mostrar quem manda.
— Mostrar quem manda?
— Ora, vamos alegrar aqueles que trabalham o dia todo com câmeras de vigilância.

Noviça entrou no mercado inclinando o tronco para a frente e empurrando o carrinho como se ninguém estivesse observando.

Jaqueline voltou a atenção para a câmera:

— Vou fingir que não a conheço porque quando chegarmos à sessão de CDs e DVDs, se começar a tocar alguma música alegre, ela dança mesmo!

Noviça se aproximou da filha com o carrinho de compras:

— Não concordam que a música une corações?
— Também não é para tanto.
— Quando suas músicas chatas virarem flashbacks, você vai entender.
— Pior, mãe. Já viraram.
— Chata por chata, estamos quites.
— Vê se vai ver alguma coisa que te anime porque cara feia eu não vou aceitar.
— Nos encontramos no caixa, pode ser?
— Desde que não me deixe com rombo no cartão, tudo certo.


Sobe som: Maniac — Michael Sembello.

— Isso, sim, que é música!

Noviça se empolgou e começou a fazer umas coreografias bizarras usando o carrinho de compras. Jaqueline cobriu o rosto com a revista de uma agência de turismo.

— Desânimo de quê, minha gente? 2014 está quase aí e nós vamos vencer a Copa, o Meirelles vai tomar jeito e, seja como for, um santinho no bolo já é meu!

Noviça rodopiou no meio da seção de hortifrúti, sentindo-se a própria estrela do Flashdance.

— Natal já é uma data por si só esplêndida. Imagine só passar o Natal com a diva? É demais…

Noviça, desfilando pelos corredores, sentia-se uma atriz hollywoodiana até o cabelo poderoso de laquê enroscar em um gancho e a diva ser puxada para trás, derrubando alguns produtos que estavam nas prateleiras. Muita gente filmou o momento por se tratar de uma situação muitíssimo inusitada e da figura pública envolvida…

Compras com a diva sempre terminam em festa. Nada mais justo. Nada mais digno. Estar com a lista em mãos e checar todos os itens para nada ficar de fora. Aproveitar a pechincha, conferir a validade dos produtos, não perder o foco. E nunca se esquecer da música. Uma boa música inspira até a mais cética das criaturas.

— Você está falando como se eu fosse a única doida de Natal nesse país, Jaqueline. Teve um ano, lá por 2009, que entrei na Loja Tudo e Mais Um Pouco só para comprar papel celofane… e começou a tocar Deixa Acontecer, do Revelação.
— E a senhora… deixou acontecer.
— Empurrei o carrinho como quem empurra a vida, minha filha. Fiz passinho, soltei voz no corredor dos tapetes, e ainda improvisei um microfone com um rolo de papel alumínio. Quando dei por mim, tinha duas mulheres da seção de copos imitando minha coreografia. Foi ali que eu soube: o mundo precisa de mim, nem que seja para dançar pagode natalino entre baldes e extensões elétricas.

Noviça, recuperada do mico, escolhia bons tomates e os colocava num saco plástico transparente, despreocupada. Foi quando um grande sucesso dos anos 1970 ressoou nas caixas de som do hipermercado.

— Essa é das boas! Ótima!

A diva apanhou um pepino e pôs-se a cantar como a boa popstar de chuveiro que sempre foi:

Sei que você gosta de brincar de amores…

Jaqueline aproveitou o espetáculo improvisado da mãe para colocar três potes de uma marca famosa de creme de avelã no carrinho de compras.

— Dizem que dinheiro não compra felicidade, mas compra doces, o que é o mesmo para mim.

Um dia você vai ouvir de alguém
O que eu ouvi de ti

Alguns fregueses demonstraram irritação com a espontaneidade de Noviça, outros cochichavam e riam, houve quem filmasse a atuação dela e uns corajosos que também se puseram a cantar.

— Uma diva arrasta multidões, mas uma diva com humildade, como eu, vale milhões.

Noviça atendeu aos fãs que formaram um círculo em volta dela, autografou laranjas, tirou fotos, mandou beijos, abraços e até funcionários do estabelecimento aproveitavam um descuido da chefia para prestigiar a primeira-dama da Malacubaca. Não é todo dia que você depara com Carmen Angélica, a popstar do hortifrúti.


****** 


No caixa, uma surpresa um tanto salgada: a compra saiu mais cara do que no ano passado, mas vamos considerar que nesse ano a inflação pressionou os preços dos alimentos para cima. Empurrando os carrinhos de compra em direção ao estacionamento do hipermercado, Noviça transparecia certa decepção:

— Esses marcianos aí ficam encarecendo o preço de tudo… — Ela se aproximava da caminhonete Pink portentosa ao lado dos outros automóveis.
— Lamento contrariar sua teoria da conspiração, mas a culpa foi da inflação. — disse Jaqueline, verificando a nota fiscal.
— Você chama isso de inflação? Nem viveu os anos 1980 e quer falar sobre inflação alta? Não quero amedrontá-la, mas o buraco é mais embaixo: hackers interplanetários estão agindo de má-fé em represália à minha bravura de ter evitado o fim do mundo no ano passado.
— Até quando vai insistir com essa história de fim do mundo?
— Pensa bem, Jaqueline. Se você acha que a nossa tecnologia é avançada, pense numa tecnologia o dobro de ágil e moderna. Com a modernidade dos computadores, os marcianos não somente nos trolam dia após dia, como nos espionam.
— E eu pensando ser coisa do Obama.
— Que Obama o quê. Ele é o glacê do bolo… Ele é uma mísera formiga no grande esquema… Obama? Que Obama que nada… Esqueça o Obama. Os marcianos usam o Obama para aprontarem e não serem punidos…

Noviça e Jaqueline organizavam as sacolas no porta-malas do carro e a diva falava cada vez mais alto sobre a conspiração marciana:

— Eles sabem cada podre desse mundo e sabem de coisas que nós nem imaginamos que existam. A qualquer dia desses, se você digitar o nome de alguém no Google, vai encontrar um relatório completo sobre a pessoa.
— E os homônimos, como ficam?
— No caso de haver homônima, você reconhece pela foto. Ninguém acreditou em mim quando eu disse que esse negócio de recadastramento biométrico ainda vai nos dar dor de cabeça. Estamos dando de brinde todas as nossas informações aos inimigos…
— Mãe, você devia ser autora de ficção científica… é muito talento literário desperdiçado.
— Blasfêmia.
— Blasfêmia é ter que passar a minha vida toda acreditando nessas teorias da conspiração!
— Os marcianos nos espiam em tempo real.
— Essa é a afirmação mais estúpida que eu já ouvi.
— Você duvida, não acredita em mim, mas esses marcianos entraram aí no sistema do mercado e encareceram os preços dos produtos para me trolar. Vivem hackeando meu twitter para ler as DMs românticas que o Meirelles manda.
— Desde quando o Meirelles te manda mensagens românticas?
— Manda… Manda muitas… — anuiu Noviça.
— Sai dessa vida, mãe. — recomendou Jaqueline. — Deve ser algum fake fingindo ser o Meirelles… ou, numa dessas, um marciano querendo desvendar seus segredos. Para um sujeito que forja uma moléstia para fugir do Dia dos Namorados, parece bem pouco provável que ele seja esse projeto de Don Juan que te manda mensagens picantes.

Mãe e filha entraram no automóvel.

— Você pode não acreditar, mas Meirelles quando está comigo é muito romântico, me manda mensagens que o próprio Shakespeare teria inveja por nunca ter pensado com tamanho brilhantismo.
— E dando CTRL+C CTRL+V em algum site cheio de frases de amor. — Jaqueline vestiu o cinto de segurança e Noviça também, mas a diva sintonizou o rádio antes de dar a partida.
— Os marcianos vão lá e plim! Apagam tudo, tudinho, não deixam rastros…

Noviça aguardava uma fila de veículos na saída do hipermercado.

— Sei… Os marcianos…

Quem hackeava o twitter de Noviça era a própria Jaqueline, uma vez que a senha era tão óbvia: SONHO DE GOIABA (ao contrário). A veterinária também entrava no e-mail para mensagens de promoções e atualizações do site especializados em astrologia e clarividência, etc. Ah! Ia me esquecendo: ela acreditava naquelas correntes que popularizaram nos áureos tempos do Orkut, do tipo: se você não repassar a corrente, vai morrer em 7 dias e coisas do gênero.

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