CONFISSÕES DE LALY 10 ANOS | SANDRIN?! (em comemoração aos 10 anos da web novela)


— Só tem uma coisinha que eu ainda não entendo. — Fernanda, deitada no chão, apoiando os pés no sofá, refletiu.

— Eu não estou entendendo mais nada. — Eu estava sentada no chão, a janela da sala estava aberta e eu olhava com certa melancolia o céu nublado.

— Ele admitiu em algum momento ser casado ou ficou só saindo pela tangente?
— Como o bom libriano, pagou para não entrar numa briga.
— Talvez isso explique o fato de ele ser tão indeciso que não sabe se caga ou se sai da moita.
— Até quando ele pensou que sustentaria essa farsa? E se ela engravidasse? Se eles têm filhos e eu nem sei? E se eu engravidasse? O que ele faria? Tentaria dar conta de duas famílias? Como explicaria para nós as longas ausências?
— Se é que ele pensa nisso, mas você... tipo assim... sonhava em casar e ter filhos com ele?
— Claro!
— E como ele reagia quando você falava de juntar os trapinhos e sobre filhos?
— Ele dizia que adoraria ter uma menina com os meus olhos e que esperava ser um bom pai para o nosso filho.
— E sobre casar?
— Ele dizia que o papel não provava nada.
— Muquirana mentiroso! — rosnou Fernanda.
— Ele dava exemplo de tanta gente casada que só mantinha o casamento porque se separar custava caro.
— Aaaaah, a boa desculpa para te enrolar.
— E veio com aquele papo de que tem um cara super parecido com ele, que vivem o confundindo com esse cara, pode?
Fernanda se sentou no sofá e começou a mexer no cabelo, o que queria dizer que várias coisas estavam passando pela cabeça dela, restava saber qual era a teoria da vez.
— Ele decidiu colocar a culpa no “sósia”.
— Para você ver até onde chega a falta de escrúpulos de uma pessoa.
— O cara é tão parecido com ele que confundem os dois? Mas valha-me Deus, que crápula!
Apoiei a cabeça no braço do sofá e chorei.
— Laly, cortaram a linha do telefone hoje e eu não sei quando vou poder pagar.
— Eu pago. Quando você puder, você me devolve.
— Não precisa se incomodar, é que eu... eu queria... eu queria dar uma ligadinha para o meu pai, sabe, eu não vou abusar. Sei que interurbano é um olho da cara, mas eu nunca fico sem falar com o meu pai e saber como estão as coisas lá em casa.
— Vamos lá para casa.
Fernanda conversou com o pai enquanto preparei algo para comermos. Logo que nosso yakisoba ficou pronto, o telefone tocou e eu atendi:
— Alô?
— Oi, Abel.
— Ora, ora, leoa, que desânimo!
— Nós já conversamos tudo que tínhamos para conversar… agora chega!
— O Sandrin tá aqui do meu lado. Ele quer ter uma conversa com você.
— Você está pensando que nasci ontem, homem de Deus? Nem me venha com esse papo ou desligo na sua cara.
— Desliga não, Lalin. — pediu o tal Sandro ou… Sandrin. — Lalin.
Esse Alter Ego do Abel era mineiro?
— Lalin, é o seguinte: Abelzin te ama, te adora, você é a mulher da vida dele. Tá havendo um mal-entendido e eu tô aqui para resolver.
Coloquei no viva-voz para Fernanda poder opinar depois.
— Abelzin tá num estado lastimável, Lalin. Abel tá que tá, tá deprimido esse cara… Sandrin adora Abelzin, é amigo do peito, não pode ver Abelzin assim na pior.
Fernanda cochichou comigo:
— Esse cara é uma comédia, mas não sabe imitar mineiro, esse mineiro está muito baiano.
— Oxente, Lalin. Fala com Abelzin, perdoa, perdoa esse Abelzin, é a última coisa que ele quer nessa vida. — Implorou “Sandrin”.
— Escuta, Abel, vá passar lorota em outra pessoa!
Desliguei o telefone na cara dele e Fernanda não se aguentava de tanto rir.
— Esse cara tem algum transtorno de personalidade?
— Sei lá!
— Ele é um bom imitador, interpreta melhor que muito humorista famoso, mas é melhor alguém dar umas dicas para ele. Como mineiro, ele é um ótimo baiano!
O telefone tocou de novo e Fernanda, fazendo de conta que era eu, atendeu:
— Pois não?
— Lalin, fala com Abelzin.
Fernanda me passou o telefone e eu ralhei com quem quer que estivesse tirando onda comigo do outro lado da linha:
— Escuta aqui, Abel Santiago, pode parar com essa palhaçada?
— Palhaçada não, Lalin. Abel tá sofrendo por você.
— E eu acredito em Papai Noel.
— Pobre desse Abelzin, só nasceu para sofrer esse cabra.
Fernanda ria como se estivesse assistindo a alguma série de comédia no horário nobre. Pior, aquela, na base do improviso, divertia mais a minha melhor amiga. Se eu arremedasse os trejeitos do Alter Ego do Abel, ela poderia pensar que eu estava atuando, mas presenciando tudo, a perspectiva era diferente.
— Ele consegue inventar um sósia americano, mas admitir que pisou na bola, nunca! — Concluí, sentando-me no sofá, vendo Fernanda com o rosto todo vermelho, chorando literalmente de tanto rir.
— Oh! Abel amar você, Lalí. — Fernanda entrou no clima.
— Engraçadinha.
— Abelzin ama você! — Fernanda arremedou Abel. — O cara tem talento para a comédia, está sendo mal-aproveitado no jornalismo.
— Ah, quase o Dom Quixote, injustiçado, preterido. Estou chorando lágrimas de sangue.
— Uh, agora você me lembrou uma típica vilã de novela mexicana. — Fernanda gesticulou, imitando direitinho uma vilã destemperada de novela mexicana, mas ela era suspeita para falar porque amava folhetins mexicanos e mais ainda os galãs com nomes compostos. Ela e a Mayra.
Esperamos uma terceira ligação, mas ela não aconteceu.
Fernanda topou meu convite para pernoitar em meu apartamento e eu lhe deixei até mandar na televisão.
— Posso dar uma ligadinha?
— Pode!
— Sei de alguém que poderá nos ajudar…
Fiquei encafifada.
Abel era meu namorado, meu melhor amigo, só recentemente Fernanda havia entrado no meu mundo e sabia mais sobre mim do que os outros. Para a grande maioria das pessoas eu me limitava a dizer o necessário e vivenciando um momento delicado da minha vida, não me exporia, se nem quando estava vivendo a melhor fase ostentei, na pior também não.
— A Pastora Constantina.
— Igreja?
— Claro! — confirmou Fernanda, toda sorridente. Eu nem sabia que Fernanda era evangélica, sabia que o Dorminhoco havia se convertido depois que começou a namorar, mas não falava com ele havia mais de dez anos.
— Bom, eu não vou à igreja tem pelo menos uns dez anos.
— Sou católica de batismo. Fiz primeira comunhão, crisma, mas já frequentei centro espírita, até terreiro de umbanda. Ainda não visitei nenhum templo budista, mas admiro a filosofia. Parece meio estranho, eu sei, mas acho que independentemente da forma que você queira dar ao que acredita, é porque acredita em uma força maior, maior do que todos nós, que dá algum sentido à nossa existência, à existência do mundo, das coisas. Respeito todas as expressões religiosas, aprendo um pouquinho com cada uma, acredito que o cerne de todas é o amor, a caridade, o perdão. Tanto faz a filosofia de vida que você segue, desde que ela seja um instrumento para fazer de você uma pessoa melhor. E eu adoro, adoro mesmo a pregação da Pastora Constantina. Ela sempre tem uma palavra amiga.
— Agradeço a sua gentileza, mas não tem nada que possa ser feito por mim.
— A Pastora Constantina não pensa assim.
— Experimenta contar o meu drama para ela.
E eu nem pude concluir meu pensamento, pois Fernanda conseguiu entrar na linha ao vivo para conversar com a pastora:
— Fernanda, querida, eu estava sentindo saudades das suas ligações. Como vai à vida?
— Vai indo, pastora. Mas hoje liguei para pedir aconselhamento a uma amiga…
A pastora ouviu todo o blá-blá-blá e nem sequer interrompeu Fernanda, que, como a boa geminiana que era, contou a história com uma impressionante riqueza de detalhes.
Certo, certo. E você quer que eu dê uma orientação à sua amiga?
— Pensei que ninguém melhor do que você para ter uma palavra amiga.
As palavras da pastora me surpreenderam.
Ela não me julgou como se eu fosse indigna da misericórdia divina, tampouco me encheu o saco com lição de moral, apenas me pediu para refletir sobre o amor que eu dava a mim mesma, pois a resposta para o meu sofrimento não estava em Abel.
Estaria eu disposta a cavar fundo nas memórias mais íntimas para descobrir quando foi que deixei de me amar e aceitei qualquer esmola sentimental só por medo de chegar aos 30 solteira?
Talvez eu precisasse ser um castor muito disciplinado e focado. E eu duvidava ter disposição para tamanho sacrifício.
Pior do que estava não podia ficar.

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