Dandara Figueira Antares estava um ano à frente e eu figurava na lista de convidados para os 15 anos dela.
No início daquele ano letivo eu já era uma nova Lalinha, havia ingressado na 5ª série, iniciado uma nova etapa estudantil e também como pessoa, posto que a estadia de Daniela naquele verão me fez enxergar a vida com outros olhos.
Chorar na cama não faria Gustavo se apaixonar por mim, reclamar de ter largado atrás das outras meninas, tampouco. Eu teria de trabalhar o dobro para ter o que as outras tinham, mas ao menos aquela esperança me acalentava e ela era tudo de que eu precisava para me transformar na Lalinha que eu queria ser, não só para ele, mas para o mundo que haveria de me conhecer pelo nome.
A primeira iniciativa que tomei foi conversar com a D. Emília e me oferecer para trabalhar no salão, mesmo com tão pouca idade e sem ter carteira assinada. Aquela piedosa senhora aceitou me pagar um salário para atender o telefone, agendar os horários das freguesas, varrer o chão do salão e lavar os cabelos quando a demanda estivesse grande. Aceitei com muita gratidão. O ordenado era suficiente para uma garota como eu se permitir sonhar um pouquinho.
Dandara Figueira Antares era comunicativa, carismática e vivia rodeada de pessoas. Não se era indiferente: ou a amava, ou a odiava. Estreitei laços com a minha cunhada por razão do ofício, ela adorava o salão da D. Emília porque esta era a única cabeleireira que acertava no corte e não fazia perguntas invasivas.
— Que rapagão bonito está o Gustavo... — comentou Sueli, a manicure do salão. — E quando é que ele vai começar a namorar?
— O Gus tá vidrado numa menina...
Meu coração começou a bater descompassado. Eu queria me concentrar em varrer o chão do salão e não me intrometer na conversa alheia, mas aquele assunto era do meu interesse.
— Nunca vi o Gus tão decidido a namorar uma menina.
— Quer dizer que o Gustavinho quando se trata de amor fica todo tímido?
— Lógico que ele me vê só como uma criancinha, quem deve saber melhor de tudo é o Giordano, mas que o Gus está mesmo gostando dessa menina, é certo.
— Menina de sorte! — suspirou a manicure, pintando cuidadosamente as unhas de Dandara.
— Ela tem um nome engraçado, parece de sereia, havaiano, uma coisa assim... — divulgou Dandara.
Mayra me pregou uma peça.
— Que susto, May! Qualquer dia desses ainda me mata do coração!
Dandara riu.
— Como você se chama? — Ela dirigiu a pergunta a mim, pois conhecia Naira e Mayra, só nunca havia reparado que Emília Sanches tinha uma terceira filha de consideração.
— Laly. — respondi, encabulada.
— Lalí?
— Laly... com y. Mas todo mundo me chama de Lalinha.
— Não conheço ninguém com esse nome. — Dandara parecia impressionada. — Meu irmão fala sobre uma menina chamada Lalinha, o quanto ela é linda, divertida, simpática, até quer tirar o diploma da faculdade para casar... nunca ninguém viu o Gus se interessar por ninguém. Fico feliz em conhecer minha futura cunhada.
Engoli em seco, sem saber se corria para o banheiro, fechava a porta e chorava ou se caía de joelhos ou se mantinha a dignidade e continuava segurando a vassoura.
— O Gus gosta da nossa Lalinha? — A manicure arregalou os olhos.
D. Emília interveio:
— Conheço o seu irmão, Dandara, gosto muito dele, é verdade, mas a Lalinha é a menina dos meus olhos, ai do larápio que partir o coração dela. Já deixo avisado.
— O Gus nunca namorou firme? — Mayra sabatinou Dandara.
— A gente estuda juntas, sim? — Dandara me olhou de cima a baixo, agora com certa afeição no olhar. — Porque agora te olhando assim acho que te conheço, seu rostinho não me é estranho.
Contei por cartas para Daniela que Dandara Figueira Antares era freguesa do salão da D. Emília e entregou toda a rapadura, que nos tornamos amigas e que eu vinha frequentando a suntuosa mansão onde residiam os Figueira Antares, conhecendo um pouquinho dos costumes da família e por não ter uma, sentia-me acolhida em qualquer lugar onde as pessoas me dispensassem alguma atenção.
Dandara tinha um closet cheio de roupas, calçados e acessórios. Quando renovava o guarda-roupa, doava tudo, sem o menor apego. Tinha uma penteadeira digna de uma estrela de cinema, onde passava muito tempo olhando-se no espelho, experimentando maquiagens, acessórios e enfeites de cabelo. Duas borrifadas de perfume e estava pronta. Havia vidrinhos que custavam uma nota.
Dandara era a única menina do casal Jordano Antares com Judite Figueira e a festa de 15 anos da garota seria um daqueles eventos memoráveis que a maioria dos cidadãos acompanharia na coluna social do jornal, que dedicaria (e dedicou) duas páginas inteiras para um cronista homenagear a aniversariante, contar a história de prosperidade dos Figueira Antares e as melhores fotos estamparem a matéria.
Eu, por um acaso do destino, fui convidada para o evento. Naturalmente, uma garota como eu nunca estaria naquela lista, primeiro porque eu era de origem humilde, meus pais não tinham nenhum contato com os mais abastados daquele pedacinho de mundo em que vivíamos, não éramos donos de propriedades, de quarteirões inteiros, sem falar no ponto crucial: eu não tinha um traje adequado para aquela ocasião. Sejamos francos: eu mal tinha roupas domingueiras, quanto mais roupas de festa, sapatos adequados, maquiagem, acessórios.
— Você é convidada de honra da aniversariante. — Naira refletiu.
— Não posso ir!
— Você precisa ir. O Gus vai estar lá. — Mayra, em concordância com a irmã, insistiu. — Ele gosta de você, Lalinha.
— Como amiga da irmã dele, não do jeito que gosto dele.
— Puxa vida, amiga! Você lutou tanto para conquistar a amizade da Dandara, para ser convidada para essa festa, para ser notada pelo Gustavo. Não é qualquer pessoa que recebe um convite desses, não dá para simplesmente recusar.
— A Dandara tem muitas outras amigas e sem vocês por lá vou me sentir perdida, sem falar que o Gustavo tem muitas meninas atrás dele...
— A Dandara aquele dia no salão deixou bem claro que ele gosta de VOCÊ. — Naira enfatizou e olha que ser alcoviteira não era do feitio dela, mas notando que Gustavo Figueira Antares tinha boas intenções comigo, não restava saída senão apoiar o (provável) namoro. Mayra era otimista e ia além, já até se imaginava sendo madrinha dos meus filhos, sugeria nomes, como sonhava aquela baixinha.
— Ué, pelo menos na segunda-feira você vai ter um monte de coisa para contar para a gente. — Mayra me persuadiu. — Você não diz que parece sempre viver o mesmo dia? Pois...
Dandara me convidou para me arrumar na casa dela, me indicou uma arara repleta de vestidos de festa e disse que eu poderia escolher qualquer um deles. Gostei de um azul com alças.
Um maquiador profissional preparou a aniversariante e o vestido dela, desenhado por um famoso estilista, só seria revelado à meia-noite, na hora da valsa.
A festa movimentou o clube de regatas da cidade, todos os salões estavam reservados para os convidados dos Figueira Antares. Foi uma noite memorável, mas o primeiro contato para valer, o primeiro beijo, só aconteceu na tarde seguinte, quando a aniversariante promoveu uma festa na mansão e o clima era mais descontraído do que formal.
Estávamos na piscina ouvindo música, saindo ocasionalmente para beber suco e comer sanduíches. O biquíni azul de bolinhas brancas que eu usava também era presente de Dandara, que já me tinha em alta conta não só pelo fato de Gustavo estar interessado em mim, mas porque gostava da minha presença, da minha amizade e de eu ser uma ótima ouvinte. As amigas dela não partilhavam da mesma opinião, porém a irmã mais nova de Gustavo não dava à mínima para o que diziam pelas costas. Se ela fazia questão de mim por perto, me teria por perto e ponto final.
— Eita, eita, eita... — sibilou Dandara. — Meu irmão não para de olhar para cá. — E gritou para Gustavo: — Perdeu alguma coisa aqui, bobalhão?
Gustavo fez-se de desentendido.
— Como esses meninos são bobos... — suspirou a irmã mais nova de Gustavo, ajeitando os óculos de sol. — Crescem só de tamanho.
Gustavo cochichou com um amigo de Dandara sentado na beirada da piscina, este partilhou o recado para outro menino até a mensagem chegar a mim.
— Só tem tamanho... — Dandara não escondeu o sorriso. — Em vez de te chamar e falar na lata, manda recadinhos pelos outros.
— Ele q-quer f-falar c-comigo?
— Já era tempo, né? Faz um tempão que ouço falar de você, que vejo vocês se olhando, se gostando, mas sem tomar a iniciativa... valha-me Deus, se entendam de uma vez!
Saí da piscina, peguei uma toalha amarela que estava pendurada nas costas de uma cadeirinha de plástico branca, sequei o corpo e procurei a bermuda alaranjada de lona para vestir, tomando cuidado com o piso escorregadio, também calcei um chinelo e encontrei Gustavo perto do balanço, longe dos olhares curiosos. Passamos um bom tempo sem ter coragem de dizer uma só palavra.
— Você disse que queria conversar comigo.
— Sinto muito por ontem. Queria ter passado mais tempo perto de você, mas não pude...
Assenti.
— Posso te dizer uma coisa? Você promete que não fica braba?
Sorri.
— Você estava linda ontem!
— Obrigada!
— Você é linda, Laly. — Gustavo reiterou.
— Obrigada...
— Você não acredita no que eu digo?
No fundo, não.
— Sabe, faz tempo que venho te notando, mas não tenho coragem de chegar e trocar uma ideia com você. Queria saber se você tem namorado.
— Não, não tenho. Você tem namorada?
— Não, pelo menos ainda não.
— Tem alguém em vista? — sondei.
— Tenho...
Concordei com a cabeça, confusa. Se numa dessas, Dandara só estivesse sendo gentil e Gustavo tivesse interesse noutra menina?
— Imaginei, mas eu não sei no que posso ser útil porque tenho além da Dandara só mais duas amigas: a Naira e a Mayra Sanches. Se você tiver interesse na Naira, é só me falar. Não posso te prometer nada, mas posso falar com ela.
Gustavo coçou o queixo e sorriu, me olhando de cima a baixo, quase sem acreditar no que eu dizia. Eu me surpreendia de estar falando algo porque diante dele eu simplesmente empacava. Pior ainda, passava vergonha, fosse tropeçando, esbarrando em algo ou alguém, ou falando atropelado, enfim, um desastre.
— A Dandara não falou de mim para você?
— Você gosta de mim?
— Por que não gostaria? — quis saber Gustavo.
— Não sei, acho que os meninos daqui não gostam.
— São uns bobos, não sabem o que estão perdendo.
— Eu não entendo isso, Gustavo... com tanta menina bonita, o que você viu em mim?
— O que eu sempre estive procurando: minha amada.
— O que você viu em mim?
— Minha amada.
— Não pode ser verdade.
— Você não gosta de mim?
— Não, é claro que gosto, mas... mas... olha pra mim... eu não tenho nada a te oferecer.
— Claro que tem. Amor. Eu só espero que você me ame do jeito que eu te amo.
Olhei para os meus pés no gramado, senti-o aproximar-se e erguer minha cabeça com as pontas dos dedos para que eu o olhasse nos olhos, não fugisse nem desviasse. Meu coração batia na garganta e quando ele me tomou nos braços, o dele também rufava no peito.
Por alguns segundos que pareceram uma eternidade, ficamos abraçados, nada além. E as lágrimas que eu escondia de todo mundo estavam acudidas nas pupilas. Ninguém me abraçava daquele jeito, ninguém entoava meu nome com um carinho tão grande, como se fosse uma canção celestial, ninguém me olhava mais de uma vez e eu já estava acostumada com o meu destino até o verão anterior, quando esbarrei com Gus na sorveteria e muitas certezas mudaram. Estar ali com ele não era apenas o final feliz digno de um livro de romance juvenil, significava dizer que consegui um feito impossível: ser notada pelo garoto mais bonito e importante da cidade. E ele parecia gostar de mim do jeito que eu era.
— E aí? Posso te dar um beijo?
Eu sabia que não era na testa nem na bochecha. E corei. Queria correr o mais rápido que meus pés aguentassem, mas cedo ou tarde, fosse com Gustavo ou não, meu primeiro beijo haveria de acontecer e eu não poderia tirar os chinelos para correr até sumir.
Gustavo foi cuidadoso, impondo um ritmo calmo ao beijo e não me importava mais se houve outra garota antes de mim, se naquele coração houve ou haveria outro amor, porque aquilo que compartilhamos naquela tarde seria marcante para nós dois, nem o passar dos anos apagaria as marcas daquele encontro.
Após o beijo, ele segurou na minha mão e continuou me olhando como se eu fosse a oitava maravilha do mundo.
— Posso te pedir só mais uma coisa?
— Outro beijo?
— Posso te chamar de Lalinha?
Aviso: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, locais, eventos e incidentes são produtos da imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou com eventos reais é pura coincidência.
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