Simplesmente Tita — 19⁰ Capítulo

 


Roni Rogério da Silva era o galã do quinto ano, crush de mais da metade das menininhas. Agitava corações quando passava pelos corredores, exibindo-se com uma alça da mochila solta e o topete no cabelo descolorido e penteado para cima.

Mariana Franco não era a única que suspirava ao ver o galã de quinta passar. Todas vinham à escola para vê-lo, até a própria Rafaela, que chorava de saudades, mas não voltava a namorar de jeito nenhum. Tudo que Roni fazia era comentado com pormenores e eu não achava nenhuma graça naquele menino que se achava tudo e não era nem a metade.

Cheio de dar pinta de conquistador, Roni colecionava também alguns desafetos. Um dia, porém, se meteu com a turma errada: João Alberto e os amigos. Disposto a honrar a figura do valentão, provocou os veteranos e fez a escola literalmente parar na hora da saída.

Eis a briga antológica de 1998. Roni contra João.

― Não perco essa briga por nada no mundo ― Mariana Franco suspirava pelo corredor após fazer fotossíntese na aula do Emival. ― Quero ver o Roni dar caldo naquele metido do oitavo ano.

― O Roni não vence. O João é muito maior que ele. ― Eu disse, torcendo para João.

― O João pode até ser mais velho, mas o Roni tem muitas fãs e a torcida sempre ajuda. ― Mariana Franco era uma tiete xiita por Roni. Se o Twitter existisse naquela época, ela moveria céus e terra para colocá-lo nos trending topics e xingaria muito os ditos haters do moleque.

― O João já brigou com gente de mais tamanho que ele, o Roni é fichinha.

Seguimos para a cantina, que estava cheia e os burburinhos indicavam que todos ― até os menos antenados ― estavam ansiosos para a luta, portanto não podiam dar com a língua entre os dentes. Se a coordenação soubesse de qualquer incidente que perturbasse a paz, já era.

― É... Será duelo dos bons... ― comentou um menino do 6º ano, na fila para o lanche.

― Quem perder esse não vê outro igual tão cedo. ― Concordou o amigo dele.

― Sei não ― entrou na conversa um garoto do 7º ano. ― O pirralho lá não tem chance, o João vai massacrá-lo.

― Repete, mané. ― Gritou a Mariana Franco, toda agitada, enchendo os bolsos de bala e atrasando a fila. ― Teu namoradinho não dá nem para o cheiro. ― O garoto enfiou a mão no saquinho de papel pardo e roubou um punhado de balas da Mariana. ― Não tem nem tamanho de gente e levará uma surra histórica.

― Vai nada! O Roni tem fãs e as suas fãs estarão dando a maior força.

A apreensão era tanta, mas tanta, que ninguém se aguentava por ter que esperar o último sinal soar. Nunca a última aula demorou tanto para acabar. O tique-taque estava de pirraça, coisa de louco, caminhando devagar, fazendo troça dos corações ansiosos que batiam mais alto do que o próprio tiquetaquear do relógio.

A espera acabou quando a professora Ivana, de Artes, nos liberou com dez minutos de antecedência, não se interessava em nos prender à toa, até porque nem gostava de crianças. Todo mundo estava em clima de sexta-feira em plena terça, só vendo para crer. Lembro-me de outras brigas na antiga escola, porém sem a mesma animação do evento que deu origem a este capítulo.

De mochila nas costas e tomada pela curiosidade, torcendo pela vitória de João, segui às garotas até o portão. Ainda na escola dava para avistar uma multidão que mesmo disfarçada para não dar na vista estava na maior expectativa. O ringue improvisado aguardava a chegada dos lutadores. Na minha playlist mental eu não conseguia me desvincular daquela música que a TV usava para a vinheta das lutas de Boxe que iam ao ar nas noites de sábado (Eye of the tiger – Survivor).

― O João não tá para brincadeira ― Ouvi um menino da sala dele comentando. ― Se o pirralho amarelar, o João pega ele de todo jeito.

Sem muita pompa e circunstância, o tal do aquecimento acontecia sem estrelismo, pelo menos da parte do João, um processo importante para dois lutadores mostrarem os seus dotes, isso é, quem os tinha. Roni chegou se exibindo como se fosse um modelo apresentando a nova tendência de uniforme escolar para o verão.

As pirralhas do 5º ano (MENOS EU) gritaram o nome dele que sumariamente as ignorou tal qual faz uma celebridade que não quer ser fotografada. Entregou a mochila para um dos amigos e mesmo ventando muito, tirou o casaco a fim de exibir ao oponente os inexistentes músculos dos caniços. Cerrou os punhos, pulando feito uma rã para provocar o veterano:

― Vem agora, valentão. Vem quente que estou fervendo!

João, quieto, apenas observou. As meninas suspiraram, gritaram.

― Roni, Roni…

Roni jogou beijinhos para as gatinhas. Fingiu acertar um soco na direção de João. Delírios femininos na plateia. Pense em umas quinze pré-adolescentes gritando ao mesmo tempo. Tinha-se a impressão de que a qualquer momento um ônibus de luxo com os irmãos Hanson fariam uma apresentação extraordinária, uma utopia que renderia muitas páginas no meu diário secreto.

― Roni, Roni…

― Quer brigar, não quer? ― João desafiou o galã de quinta. ― Então vem para cima que eu já estou cheio desse seu lero-lero aí.

― Lero-lero é o que você pensa. Pronto para o massacre? — Retaliou o moleque, para impressionar as admiradoras. Abria os braços, a estrela de uma versão atualizada do tele-catch do Ensino Fundamental.

― Muito se fala, pouco faz, pirralho. ― Um amigo de João achincalhou Roni, e os amigos do galã do quinto ano estavam imóveis atrás dele, esperando, por questão de lógica, uma reação que incendiasse o caldeirão.

Preparação é tudo. Roni parecia o Kiko da série Chaves fazendo aquecimento, sem invenções. Era uma briga artística, até então. Com plateia e tudo. Claro que se a inspetora Jane notasse a atípica movimentação nas dependências da escola, acabaria com a festa em dois toques, ainda mais ela, que só de abrir carranca já metia medo em qualquer um.

― Vocês não podem comigo, veteranos. Sou o Roni. Sou demais. ― Roni direcionou aquela fala para as tietes, que respondiam com gritos histéricos.

― Humildade, piá. Primeiro você cresce, daí a gente se fala. ― João não sabia se ria ou cruzava os braços. Roni era um autêntico palhaço.

― Você está se fazendo porque sabe que perderá.

― Campeão que é campeão não festeja antes do tempo.

― Seu tempo já foi, João. Hoje vou te esculhambar diante da escola todinha. Eu, se fosse você, caía fora!

João, irritado, ajeitou o boné. Roni, por sua vez, tentou dar uma rasteira nele, mas o veterano teve presença de espírito, recuou a tempo e os dois, se rodeando, trocaram olhares ferozes. A plateia, calada, prendia a respiração. João levantou o braço e Roni caiu feito pluma na calçada.

Replay, replay, por favor.

O silêncio perdurou no que foram os segundos mais longos do dia. Aquele seria o ensejo perfeito para Roni se levantar e partir para o tudo ou nada.

― Roni! ― Berrou a Mariana Franco, quase tendo uma síncope. E Roni continuou caído na calçada.

― Reage, Roni. Reage! ― Gritaram as admiradoras do galã oxigenado.

João, com os braços cruzados, esperou por um revide. Silêncio total no ringue improvisado e também fora dele.

Roni se levantou da calçada e fugiu correndo, os amigos toscos dele se mandaram também, decerto receando apanharem dos amigos do João, que ao contemplar a desistência do oponente, deu de ombros, ajeitou o boné do Taz Mania na cabeça, colocou a mochila nas costas e deixou o ringue também acompanhado de sua turma.

Sem briga, era hora de ir para casa ou eu seria Roni e Meire, o João. Falando no galã destronado e em mãe, o vi chorando debruçado num cercado na outra quadra, como fazia o Kiko quando levava um beliscão do Seu Madruga ou era chamado de Frederico pela Dona Florinda. Passei fingindo indiferença.

Mariana Franco me telefonou algumas horas depois para repassar a briga, fazendo o maior drama porque o Roni perdeu, acusando o vento, o João, a quem quer que fosse, mas, ao mesmo tempo, querendo manter distância do grande azarado do 5º ano.

― Não diga que ele chorou? ― Mariana Franco sugou todos os pormenores e com certeza aumentou os fatos quando ligou para sua xará. De uma boca a outra, o boato tomou uma proporção gigantesca.

No outro dia, Roni já era a piada pronta da instituição. Alguns já aumentaram os boatos dizendo que ele era filho da rigorosa inspetora Jane e soluçou nos braços dela, para ver como imaginação de criança não tem limite.

― Chora não, Roni. ― Caçoou um amigo do João.

― Ei psiu? ― Assoviou o João, tirando onda do oponente: ― Aquela briga não valeu.

― Ai! Não encosta no Roni que ele chora. ― Atiçou a Rafaela em retaliação ao fim do relacionamento dos dois em abril.

― Guarda as lágrimas para o casório. ― Um moleque da minha sala tirou da cabeça do Roni o boné falsificado de uma marca famosa. — Ó, a tua namorada ali! — E apontou para a Mariana Franco, que estrilou:

— Sai para lá que eu não quero papo com o chorão.

Naqueles tempos, Mariana Franco, que tanto o amava, dele não queria nem lembrar o nome.

― E nem eu com esse baiacu. — Roni replicou.

― Melhor ser baiacu do que ser um chorão. ― Mariana Franco, mesmo orgulhosa, tinha a língua afiadíssima e não deixava por menos.

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