Simplesmente Tita - 2ª Temporada - 6º Capítulo



6º Capítulo

-Então é isso, tampinha. Estou voltando...
-Que bom! - assenti com a cabeça, sendo o mais indiferente possível.
-Adolfo, promete que se cuida? - Aline o implorou.
-Vou precisar de muita paciência. Aquele colégio tira o pior de mim.
-Por nós, Adolfo, tenta aguentar. Eu sei que é difícil, mas você já suportou tantos anos... Quando você ver, já vai estar na 8ª série e vai se libertar.
-Ei tampinha, que cara triste é essa? Eu vou embora, não vou morrer.
-E quem disse que estou triste?
-Vê se não chora de saudades... - assobiou - Ei Aline, se a tampinha chorar, me conta, viu?
-Pode deixar, Adolfo. - olhou rindo para mim - E vou contar.
-Sem noção. - retruquei a almôndega.

Estendeu a mãozinha.

-E aí, tampinha? Nem um atrito de despedida?

Aline sorriu. Nós três nos abraçamos. Adolfo disse que sentiria saudades, mas eu duvidava. Do jeito como ele agia, dava a entender o contrário.

***

Aline e eu estávamos ansiosas para retornar ao colégio. Aline conversava com Nice pelo menos duas vezes por dia e eu me imaginava reinando na casa de meu pai, sendo sua princesinha de novo e eu já era, pelo menos na temporada de verão e segundo ela aquela seria a primeira de muitas curtindo o mar. Aliás, foi ele quem me levou ao litoral pela primeira vez quando eu estava com 3 anos de idade. Foi nosso segredo.

Felix comprou um maiô bem fofinho para mim e me pediu para que colocasse, pois íamos a um lugar muito especial. Que eu queria ver o mar já era desejo antigo, desde que aprendi a falar e via imagens na TV. Ele me colocou no carro, pôs uma fita para tocar e lá fomos nós, cantando, conversando e até dando uma paradinha para comer e ir ao banheiro.

Ao chegarmos ao litoral, meus olhinhos castanhos irradiavam um brilho que deixaria o próprio Sol com inveja.

-Estamos na praia?
-Estamos sim, Tita. Não é lindo?

Lembro-me até hoje de mim apoiando as duas mãozinhas no vidro fechado, abrindo e cerrando os olhos para ver se aquilo era verdade e era. Era lindo, ainda mais que estava amanhecendo. Seria um lindo domingo de janeiro.

Com cuidado papai calçou uma sandália branca (a mesma que me presenteou no Natal anterior) para eu poder descer sem mais problemas. Enquanto abriu o porta-malas e tirava o guarda-sol, duas cadeiras e meus brinquedinhos, eu admirava cada centímetro do mar. Foi o meu primeiro sonho que se realizou.

Para que meu pai não precisasse carregar todo peso, segurei meus brinquedos em uma mão e na outra segui com Felix que vagarosamente me conduziu até chegarmos a aquela areia fofinha da praia. Eu pensei que iria afundar, mas não ia, não mesmo. Felix o meu herói estava ali.

Um tio que vendia coco-verde fez o buraco para meu pai encaixar o guarda-sol e após isso fomos ao mar. Admito que senti um baita medo quando chegamos perto da água. Comecei a chorar e abracei as pernas de meu pai. Costumava fazer isso quando estava assustada.

-Não quero, pai.
-Por que não?
-Porque não quero.
-Chegou até aqui e agora está com medo? Essa não é a Tita corajosa que eu conheço. – se ajoelhou para ficar da minha altura e enxugar as lágrimas que eu escondia – Não confia em mim?
-Confio...
-Eu não faria nada que fosse te machucar. – ele sabia me abraçar de um jeito que me fazia perder o medo – Vai dar tudo certo, meu amor. É só ter calma.

Segurando-me com bastante cautela, papai deixou que meus pezinhos pequeninos entrassem em contato com a água. Estava fria, por isso dei uns gritinhos e ele riu. Ao meu lado Felix sempre ria. Eu acho que era engraçada quando menor. Não, não. Todas as crianças esbanjam pureza, então todas as suas descobertas sempre encantam aos grandes, enquanto nós queremos poder chegar perto de saber tudo como eles.

-A água ta gelada, pai.

Papai me deixou caminhar mais um pouquinho, mas sempre atrás, vigiando, em guarda. A água já não estava mais tão gelada assim. Então fui colocada no colo, tipo cavalinho e ah, me senti a rainha, a menina mais feliz do mundo; mais ainda quando tirei várias fotos brincando com meus baldinhos de areia e algum tempo depois almoçando camarão com batata-frita e de sobremesa sorvete.

Voltamos na parte da tarde. Como tive febre e dor de barriga, mamãe descobriu e quis proibir meu pai de me ver; batendo até a inveja de ir à praia, porém se eu tropeçasse já apanhava, além de que ela não permitiu que eu me sujasse de areia e não quis tirar nenhuma foto. Nada.

Se algo nessa viagem de 1999 acontecesse, por mais pueril que fosse, a consequência seria me ver longe de papai novamente. Por mais que os anos tivessem se passado, a competição dela com Felix persistia e eu, ali no meio, era a mais afetada.

Já manifestava claramente a meu pai que adoraria morar com ele e Helena.  Minha madrasta, com quem estava convivendo havia semanas era realmente a mãe que eu queria ter. Atenciosa, jovem, divertida, ouvinte, carinhosa, dessas que quando você está no sofá, ganha cafuné e ela sabe afagar de tal modo que você fecha os olhos e se esquece do resto do mundo.

-Se quiser morar conosco, sabe que terá seu quartinho.
-Mesmo?
-E você vai poder pintar da cor que quiser.
-Bem, eu quero rosa.
-Rosa? Eu posso pintar pra você, colocar um papel de parede e uma cortina bem bonita. O que acha?
-Posso chamar minhas amigas pra ir lá?
-A hora que quiser. Aline, você está convidada.
-Sugestão anotada, tia. Tita e eu vamos aprontar muito esse ano lá no colégio. Tomara que a gente fique na mesma sala, pelo menos porque a Mari Franco reprovou e a Mari Oliveira mudou de cidade, então vamos ser só nós duas, talvez.
-Que saudades da época de colégio. Eu adorava assinar aqueles cadernos de confidências e depois ler o que todo mundo escreveu. Ô tempo que não volta mais!
-Ei filhinha, por que não chama o menino Adolfo para comer bolo de fubá com a gente qualquer dia desses. – Felix sugeriu.

-Ele não.
-Ele não por quê?
-Porque ele é um chato. Aliás, todos os garotos são chatos.
-Nessa época os garotos ainda são uns chatos. – Felix
riu
.
-Acho que sempre serão. – cruzei os braços e fiz beicinhos.

É fato. Pra mim eles eram as piores pestes do mundo, cuja utilidade era assistir o programa das gostosonas, ver futebol e achincalhar as irmãs, primas e colegas de escola. Mais feminista, impossível, sabendo, bem mais tarde que feminismo é exigir direitos iguais a garotos e garotas.

-Essa fase passa tão depressa. – suspirava uma saudosista Helena.

Helena recordava a infância com amor, afeição de quem viveu intensamente o início dos anos 80. De lá até 1999 as mudanças eram claras, mas criança em qualquer tempo continua a ser criança, em circunstâncias diferentes.

-Um dia você ainda vai sentir muita saudade dos seus 10, 11 anos.

Ser adulto parecia mais proveitoso que ser criança. Adulto podia estudar quando, onde e se queria; podia dormir até tarde; morar sozinho, criar as próprias regras. Por que eles queriam tanto ser crianças?

-Querem? – Helena oferecia tudo que estava comendo.

Meu ponto fraco. As balas de banana. Acho que o carro de papai ficou cheinho daquelas embalagens verdes cheias de açúcar dentro.

Eu já estava tão preparada para morar com meu pai que na volta da viagem nós 4 – Sim, Aline era ótima com palpites. – planejávamos como seria meu novo quarto e meu pai já até me ensinava quais ônibus eu apanharia para chegar ao colégio. Mesmo com chuva, uma atípica alegria de mim tomava conta. Tudo estava bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Mary Recomenda | Querida Kitty - Anne Frank

  Hoje é sexta-feira e nada como sextar acompanhando o Mary Recomenda. Na edição de hoje, nossa convidada especial é Anne Frank e sua Queri...