8º
Capítulo
Tão logo reconheci minha antiga turma. Garotos e garotas, todos procurando naquela desorganização saber em que sala estavam. Naqueles decadentes blocos eu passaria o resto dos meus anos escolares e nada nem ninguém poderiam me salvar dessa sentença perpétua de sofrimento.
Mais dramática que uma cena de morte em novela mexicana e de fato nem a atuação dos mais renomados atores convencia tanto quanto meu semblante de melancolia. Uma típica cena em preto e branco com uma trilha depressiva ao fundo. Não tanto ou eu me afundaria. Ou mesmo você que partiria para ler alguma trama adolescente com muita cor, cantoria e um final feliz tão tradicional quanto a garoa na capital. Você ainda tempo de pular fora dessa história e nunca mais retornar. Se for o seu caso, não pense duas vezes, a menos que sua curiosidade grite tanto quanto eu para voltar a ser aluna de Vando e Daniela.
Mais dramática que uma cena de morte em novela mexicana e de fato nem a atuação dos mais renomados atores convencia tanto quanto meu semblante de melancolia. Uma típica cena em preto e branco com uma trilha depressiva ao fundo. Não tanto ou eu me afundaria. Ou mesmo você que partiria para ler alguma trama adolescente com muita cor, cantoria e um final feliz tão tradicional quanto a garoa na capital. Você ainda tempo de pular fora dessa história e nunca mais retornar. Se for o seu caso, não pense duas vezes, a menos que sua curiosidade grite tanto quanto eu para voltar a ser aluna de Vando e Daniela.
Cássia abriu precedentes para todos me azucrinarem durante os anos de chumbo. Foi à menina mais linda do primário e continuava sendo. Sempre rodeada de três bajuladoras não tão bonitas assim, mas que iam de carona em seus rótulos. Um pouco alta para a idade, rindo o tempo todo. Felizmente não me reconheceu a princípio. Estava diferente. Esperava também que mais madura, assim não ficaria colocando apelidos em mais ninguém, vivendo todos em harmonia. Não podia ser um desejo tão impossível.
Estudaria na sala 6, 2º andar, bloco 2. 6ª A. Pela lista colada na parede do refeitório, reconheci os nomes de todos que me alopravam até 1998. Se eles finalmente me esquecessem, seria maravilhoso, mas eu tinha consciência de que não. Caminhava atordoada querendo crer com todas as forças que tudo aquilo não passava de um pesadelo e que quando acordasse, estaria na praia. Não era. Infelizmente.
Ao rever a mesma professora do primário não segurei o choro e saí correndo para dentro do primeiro banheiro que vi pela frente. Apressada, entrei na 1ª cabine e tentei me acalmar, o que me fez chorar mais ainda pensando no ano anterior e na saudade que precisaria suprimir a partir dali.
Minutos depois, quando tocou o 1º sinal, fui lavar o rosto e levei um susto: era o banheiro dos meninos.
-Tita?
-Adolfo?
-Estudo nessa merda desde o pré-escolar. Não sei se estávamos falando da mesma instituição...
-Bem... – desabei na frente do garoto, que papelão – Eu também!
-Também? Mas...
-Eu tive de voltar... Bem, não dá pra falar... Preciso ir.
-Ei, calma aí.
-Preciso entrar. Já tocou o sinal.
-Não vai entrar.
Adolfo puxou de leve meus braços e me fez lavar o rosto novamente até recobrar totalmente a calma. Eu odiava que me tocasse. Não queria que a almôndega soubesse que era a menininha chorona com medo de ser o saco de pancadas da classe toda. Paciência seria pouco para suportar os longos anos até o 3º do Ensino Médio, provavelmente 2004, se não reprovássemos.
-Não pode aparecer assim na sala. Se a Cássia te vir chorando vai te tirar o ano todo.
-Que se dane ela! Mando meus amigos baterem nela.
-Você é engraçada!
Adolfo puxou de leve meus braços e me fez lavar o rosto novamente até recobrar totalmente a calma. Eu odiava que me tocasse. Não queria que a almôndega soubesse que era a menininha chorona com medo de ser o saco de pancadas da classe toda. Paciência seria pouco para suportar os longos anos até o 3º do Ensino Médio, provavelmente 2004, se não reprovássemos.
-Não pode aparecer assim na sala. Se a Cássia te vir chorando vai te tirar o ano todo.
-Que se dane ela! Mando meus amigos baterem nela.
-Você é engraçada!
Saímos juntos do banheiro.
-Conhece a Cássia?
-Não se lembra de mim?
-Eu era tua vizinha na praia, mas...
-Eu era um gordinho que todo mundo chutava na 1ª série. Não lembra? Pandorga, bolota, balofo, viado... Eu me lembro de você, uma menininha bem miudinha e inteligente que sentava lá na frente. Eu só não sabia que você era a mesma Tita. - comentou. - Eles pegavam pesado.
-Acho que me condicionei a me esquecer de certas coisas.
-Está na 6ª A, certo? Se estiver, serei seu colega.
Quando chegamos ao nosso andar, antes que entrássemos em nossa classe, com Cássia, suas amiguinhas e os mesmos idiotas do primário, Adolfo parou a minha frente e disse:
-Tita, antes de a gente entrar, você tem que me prometer uma coisa...
-Não pode ser muito difícil.
-É difícil, mas o único caminho.
-Lá vem bomba... – chiei.
-Você tem que prometer que não vai chorar. Eu sei que é difícil, mas se chorarmos vai ser pior porque vamos ser zoados mais ainda.
-Fala isso como se fosse à coisa mais simples do mundo.
-Sei que não é. - expressou-se livremente - Tem mais uma coisa... Não me leva a mal, mas eu preciso falar, mesmo que você não acredite...
-Fala... Pode falar...
-Você é muito mais bonita que a Cássia, tem potencial para ser melhor que ela, mas não pode chorar. Isso é troféu para ela.
Ele já estava indo um pouco longe demais com seu último comentário. Nenhum garoto de 12 anos do mundo concordaria com Adolfo. Cássia era a menina mais perfeita que havia conhecido. O que tinha de bela tinha de má.
-Você tem erguer a cabeça e não mostrar que tem medo porque se você se mostrar fraca, indefesa e boba, a Cássia vai te aloprar.
-Sei... Sei...
-Conselho de amigo!
Ele me considerava amiga. Não vinha com puxões de cabelo, não me chamava de tampinha, nem de chata. Nem de longe ostentava aquele ar irônico das férias. Era outro, completamente diferente, me olhando de um jeito que me incomodava porque anteriormente ninguém tinha me observado com atenção, com tanta fixação que eu me sentia por vezes constrangida. Só havia pouco mais de 10 dias da última vez que nos vimos, mas a impressão que guardo é de que se passara mais de um ou dois anos num prazo de semanas. O relógio biológico estava certo: aos poucos eu estava me desvencilhando do seio da infância e caminhando por conta própria naquela duvidosa corda bamba que me separava formalmente de ser adulta.
Não havia tempo para conversas, portanto entramos, já sendo vaiados por estarmos atrasados.
-Mas vocês pensam o quê? Mal começam o ano nessa lentidão, atrasando-se. Na próxima vez não entrarão. – pigarreou a professora parada em frente a sua carteira. - Péssimo dia.
Literalmente. Atolei meu allstar vermelho numa poça de lama, reencontrei a menina que me provocou o primário todo e ao invés da doce Daniela, a docente de português parecia uma velha paroquiana mal vestida e cheirando a naftalina. Filomena, estava anotado no quadro. Linha dura, inimiga dos erros de português e dos fanfarrões. Dever de casa corrigido à moda antiga, com advertências aos pais para aqueles que gostavam de matar aula. Sem paciência nem didática. Dispensadas as apresentações, era hora de partir para o trabalho. Só conseguia pensar na sorte de Aline, até vê-la entrando em nossa sala.
-Outra? – resmungou a velha.
-Desculpa, professora. Problemas técnicos.
-Vá sentar.
2 aulas seguidas com aquela mulherzinha arrogante e chata. O apelido dela era Naná (naftalina). Coisa da Cássia.
-A aula da Naná é um porre, então se você quiser ir bem na matéria dela, precisa estudar por conta. – alertou Adolfo, mascando chicletes pra não dormir.
-Estou vendo... – Aline suspirou.
-Mas me conta, Aline: o que está fazendo aqui? – perguntei, fingindo estar anotando uns tópicos sobre análise sintática.
-Não soube? Minha mãe foi trabalhar em Matinhos, então eu estou morando com uma tia até mamãe ser transferida pra cá e ela mora mais ou menos perto daqui, então precisei sair de lá. – contou – Mas estou feliz... Lembra-se do Mauro? Então, eu não gosto mais dele, mas somos amigos e ele tem um amigo e o amigo dele ficou afim de mim, aí eu estou enrolando, mas vou ficar com ele...
Ouvir as historinhas da Aline era bem melhor que aguentar a aula da velha Naná, Gagá, sei lá. Ela era uma chata e a Prof.ª Daniela podia sim ter seus 25 anos, mas dominava a Língua Portuguesa bem melhor que aquela esclerosada cheia de criticar tudo.
Depois de quase um século de aula da Naná, tivemos um horário de ciências e então intervalo. Adolfo, Aline e eu lancharíamos juntos. Até então Aline julgava nossos relatos um grande exagero.
-Do primário pro ginásio a galera muda bastante. Eles crescem.
-Quando cresce, piora. – Adolfo complementou.
-Talvez esse ano essa implicância acabe.
-Você sonha muito, Aline.
-Vocês é que são uns medrosos.
-Que seu anjo da guarda te proteja então. – desconversei.
-Parece que a bolota tem companhia pra esse ano.
-Não soube? Minha mãe foi trabalhar em Matinhos, então eu estou morando com uma tia até mamãe ser transferida pra cá e ela mora mais ou menos perto daqui, então precisei sair de lá. – contou – Mas estou feliz... Lembra-se do Mauro? Então, eu não gosto mais dele, mas somos amigos e ele tem um amigo e o amigo dele ficou afim de mim, aí eu estou enrolando, mas vou ficar com ele...
Ouvir as historinhas da Aline era bem melhor que aguentar a aula da velha Naná, Gagá, sei lá. Ela era uma chata e a Prof.ª Daniela podia sim ter seus 25 anos, mas dominava a Língua Portuguesa bem melhor que aquela esclerosada cheia de criticar tudo.
Depois de quase um século de aula da Naná, tivemos um horário de ciências e então intervalo. Adolfo, Aline e eu lancharíamos juntos. Até então Aline julgava nossos relatos um grande exagero.
-Do primário pro ginásio a galera muda bastante. Eles crescem.
-Quando cresce, piora. – Adolfo complementou.
-Talvez esse ano essa implicância acabe.
-Você sonha muito, Aline.
-Vocês é que são uns medrosos.
-Que seu anjo da guarda te proteja então. – desconversei.
-Parece que a bolota tem companhia pra esse ano.
-Não enche... - Adolfo desconversava.
-Ei, não vai não, Adolfinho. – Cássia nos barrou em frente à porta assim que o sinal do intervalo tocou – Arrumou uma namoradinha nas férias. Bem-vinda ao nosso colégio.
-Obrigada. - Aline respondeu educadamente. Não fazia ideia de quem pudesse ser Cássia.
-Que gordinho safado! Não basta uma, tem que namorar duas. Quem não conhece que te compre, moleque. - felicitou-o com tapinhas nos ombros. - Eu bem que te disse que tomar banho era bom, né?
-Cala a boca, guria. Me deixa em paz.
-Cuida bem da namoradinha. - acenou - Até mais!
-Eu com essa aí? Até parece... - Adolfo reclamou.
-Até parece digo eu. – gritei empurrando Adolfo.
-Dá pra vocês dois pararem? - Aline pediu nossa atenção.
-Até parece digo eu. – gritei empurrando Adolfo.
-Dá pra vocês dois pararem? - Aline pediu nossa atenção.
Seguimos até a cantina, mas a fila estava enorme.
-Não tem um dia nesse colégio que a fila não esteja assim. – Adolfo bufou.
-Não tem um dia nesse colégio que a fila não esteja assim. – Adolfo bufou.
-O outro colégio era melhor. – coloquei as mãos no bolso da jaqueta resmungando nostalgia.
-Até a Febém é melhor que aqui.
-Adolfo é sempre assim? – Aline questionou.
-Até a Febém é melhor que aqui.
-Adolfo é sempre assim? – Aline questionou.
-Eu sei lá... – dei com os ombros – Antes eu não tinha tanto azar.
-Se não gosta de mim sai daqui. – cismou um raivoso Adolfo.
-E saio mesmo. – não deixei por menos – Por andar com você, vou ficar marcada pro resto da vida.
-Pelo menos não sou eu que uso tênis de plataforma pra disfarçar o meio metro de altura.
-Melhor que pesar meia tonelada. – mostrei a língua.
-Pelo menos não sou eu a menininha chorona. – gritou – CHORONA.
-Idiota.
-Tampinha chorona. – me empurrou.
-ALMÔNDEGA.
Adolfo puxou meus cabelos e eu o acertei com várias joelhadas.
-DÁ PRA PARAR? – Aline parou entre nós dois e deu fim àquela discussão que parecia de um casal. E não era.
Mal entramos na quilométrica fila da cantina e um menino já tratou de abaixar as calças de Adolfo.
-Se não gosta de mim sai daqui. – cismou um raivoso Adolfo.
-E saio mesmo. – não deixei por menos – Por andar com você, vou ficar marcada pro resto da vida.
-Pelo menos não sou eu que uso tênis de plataforma pra disfarçar o meio metro de altura.
-Melhor que pesar meia tonelada. – mostrei a língua.
-Pelo menos não sou eu a menininha chorona. – gritou – CHORONA.
-Idiota.
-Tampinha chorona. – me empurrou.
-ALMÔNDEGA.
Adolfo puxou meus cabelos e eu o acertei com várias joelhadas.
-DÁ PRA PARAR? – Aline parou entre nós dois e deu fim àquela discussão que parecia de um casal. E não era.
Mal entramos na quilométrica fila da cantina e um menino já tratou de abaixar as calças de Adolfo.
-Ei filho da puta! Volta aqui!
-Corre presuntinho, corre... - Cássia, na fila, alguns lugares a frente, provocou Adolfo. - Corre pra perder o peso que ganhou no verão.
Adolfo ergueu as calças com pressa e saiu correndo atrás do fanfarrão que lhe pregou uma peça. Encontrou-o e chamou-o para briga debaixo de chuva. Uma multidão se juntou para ver de camarote o primeiro duelo do ano. No entanto, o oponente da almôndega contava com reforços. 1 contra 5. Na mais desleal proporção. Fim de luta? Ao que constava, Adolfo era bastante corajoso. Roni, no ano anterior, no primeiro tapa saiu correndo feito uma gazela.
E sempre que um lado vence, o outro leva a pior. Meu (ex) vizinho de praia não teve medo, mas levou duplamente a pior porque foi arrastado para a diretoria, levou um sermão e só não tomou advertência por tratar-se do primeiro dia de aula.
A pior parte viria na saída. Adolfo chamou os garotos para mais um embate e se defendia da maneira que podia, seja com mochiladas, bordoadas e chutes. Aline e eu, desacostumadas com tanta intolerância a troco de nada, nos abraçamos e começamos a chorar, sentindo saudades do nosso antigo colégio, da lojinha de conveniência onde comprávamos nossas guloseimas, do ônibus que ia e voltava sacolejando com tantas crianças festejando. Todo dia era dia, a menos que fosse prova de recuperação.
Assim começava um ano letivo nem um pouco interessante.
Assim começava um ano letivo nem um pouco interessante.
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