Simplesmente Tita — 15º Capítulo



15º Capítulo

Com o fim do primeiro bimestre, já era possível ter uma noção dos professores que lecionavam e aqueles que apenas batiam ponto. Por sorte, meus queridinhos (leia-se Daniela e Vando) estavam entre aqueles docentes que não se limitavam ao conteúdo programático, compartilhavam ensinamentos que podiam ser levados por toda a vida. Ufa!

Daniela não era unanimidade porque não tinha preguiça de dar aula, passar dever de casa e promover atividades que valiam nota de participação, pois podia ser dura se fosse necessário, afinal, ela havia escolhido lecionar, não entreter. Digo o mesmo sobre o Vando. Pelo fato de ele ser um pouco mais experiente que a professora de português, dividia conosco o que a escola da vida o ensinou.


♏♏♏


Emival não era uma má pessoa, mas enquanto professor não impunha autoridade nenhuma, pois quando não faltava por semanas, simplesmente entrava em classe e avisava que em tal dia aplicaria a prova. O método de correção dele também era bizarro porque não colocava nota nem nada, só se sabia quando uma questão estava errada porque ele assinalava um “x” gigante com a caneta vermelha. E só. Bem que o João disse que aquele professor era estranho…

Outro comportamento curioso de Emival era chegar com uma resma de papel sulfite, apoiá-la em cima da mesa com o material didático, fazer a chamada e nos deixar à vontade.

― Desenho na aula de matemática? ― Uns perguntaram aos outros na primeira vez que tivemos aula livre de desenho no lugar de aprendermos a teoria dos conjuntos.

Desenharíamos quadrados, cubos, triângulos, algo relacionado à matéria dele, pensei, mas nunca estive tão enganada. Logo eu, que nunca gostei nada de geometria e jamais entendi direito para que servisse o tal do esquadro o qual todo ano a escola pedia naquela lista extensa de materiais escolares.

― Peguem! Podem pegar! ― Incentivava o mestre, indicando as folhas de papel sulfite que se encontrava em sua carteira, com os livros de chamada e os didáticos, aqueles com os quais eu sonhava, pois continha o gabarito de todos os exercícios propostos.

Se a turma se ressentia com isso? Não generalizo, mas boa parte curtia aquela folga e passava a aula toda conversando, sem saber por que tomava bomba nas provas. Já eu, por minha vez, pressionada a ter notas acima de 80, não dava folga para aquele senhor, não, pois empurrava a minha carteira para ficar de frente para ele e o enchia de perguntas. O caça-palavras que esperasse.

Resultado: tirei 9,5 no primeiro bimestre, enquanto a classe toda amargou médias baixas. A menor nota foi a da Mariana Franco, com 0,6.


♏♏♏


A professora de História se chamava Márcia. Era uma mulher de estatura mediana, porte esguio e uma aparência mais rústica porque tinha cabelos negros e crespos, não exalava feminilidade e ganhou o apelido de Monocelha porque tinha sobrancelhas grossas que se juntavam. Costumava ser do tipo que ridicularizava os trabalhos dos estudantes. No entanto, ninguém explicou melhor o período pré-histórico do que ela.

Estudando o Egito Antigo, cogitei fortemente seguir a profissão de arqueóloga e também tive a fase de me sentir a própria reencarnação da Cleópatra. Quem nunca?


♏♏♏


A senhorita Luciane lecionava Ciências e era um pouco esnobe, ainda mais com quem não se saía bem na disciplina dela. Eu, que o diga, pois, apesar de gostar da matéria, a didática dela não se entrosava com o meu jeito de entender.

Estudei tanto para tirar médias acima de 90, me sacrifiquei de verdade, cheguei a dormir pouco em véspera de prova para me sair bem, porém em Ciências, por mais que eu me dedicasse em razão das minhas dificuldades, tirei uma nota mediana e chorei de ódio quando recebi o resultado do teste.

Mariana Franco e as meninas se agacharam do lado da minha carteira, tentando me consolar de todas as formas.

— Quem devia estar chorando era eu, Tita. Fui mal em tudo.

— Se você se dedicasse às aulas tanto quanto insiste em chamar a atenção do Roni, quem sabe não estivesse com a corda no pescoço — bronqueou a Mari Oliveira.

— Ah, depois eu recupero…

— Ah sim, vai vendo só uma coisa… se você continuar desse jeito, vai se arrepender no final do ano. Depois não diga que eu não avisei!

— Não precisa atingir 200 de média para passar de ano? Ainda dá para fazer uns 300 e ainda passar por média! — Opinou Juliana.

— Nem conte com isso! Sou prova viva que não dá certo, senão não estaria aqui agora!

— E a Tita nem para me passar cola… — choramingou a Mari Franco.

— Mais fácil tratar burro a pão-de-ló — ralhei, me permitindo rir e fazê-las rir também.


♏♏♏


Quem nos dava aulas de educação física era Neiva, uma mulher negra, de meia-idade, cujo porte atlético era inegável. No entanto, ela era linha-dura e não tinha medo de dar bronca em ninguém. Eu que o diga, pois dei trabalho, isso sem contar meu histórico de inabilidade para praticar esportes.

Eu não entendia nada daquele rodízio que tínhamos de fazer durante as partidas de vôlei, no futebol não servia nem para gandula porque caminhava feito boba atrás das outras, queimava meus saltos, não conseguia fazer nem dez abdominais e mais inflexível que uma pinça, se pretendesse ser ginasta, seria a pior de todos os tempos.

Naquelas horas Mari Franco e eu éramos irmãs de alma, pois não gostávamos de praticar atividades físicas por obrigação, no entanto, eu aguentava os gritos de Neiva e pelo menos sem nota não ficava.


♏♏♏


Laerte, educação artística, pouco tempo ficou, apenas o suficiente para nos ensinar quais eram as cores primárias e secundárias. Ele gostava de colocar música para nós e de ver os desenhos em nossos cadernos.

A cardiopatia antecipou a aposentadoria do querido Laerte. Quem entrou no lugar dele foi Ivana Bretas, que não gostava de crianças, tampouco de lecionar e menos ainda em escolas públicas, aquela típica professora que adora dar lição de moral nos estudantes e achar que fez a sua parte.

Eu, toda boba, queria conquistar a simpatia de Ivana e lhe mostrei o meu caderno. Ela fez uma cara de desprezo quando viu os meus desenhos e esculhambou todos, todos eles, que senti uma vergonha do tamanho do mundo e evitei chamar a atenção dela. 

No fim das contas, se fosse só para lançar nossas notas para a Secretaria de Educação, melhor escalar o Emival do que aquela mulherzinha antipática e nojenta. E tenho dito.


♏♏♏


A professora de Inglês se chamava Maria de Lourdes, porém nos deixou chamá-la de Malu. Era uma mulher baixinha e gordinha, de óculos com armação fina e cabelos curtinhos e encaracolados, que amava lecionar para crianças e tinha uma didática muito lúcida para nos alfabetizar na língua inglesa. Bonachona, querida e amorosa, compartilhava conosco as dificuldades que teve quando começou a estudar outro idioma.

Malu, além de ser uma eterna estudiosa, tinha uma voz afinada e tocava piano, logo, cantávamos musiquinhas para fixar conteúdos e praticávamos conversação, ainda que duas míseras aulas por semana fossem insuficientes para que saíssemos do ensino fundamental em um nível intermediário. A música preferida do momento não podia ser outra: o tema do filme Titanic, interpretado por Céline Dion, My heart will go on.

Pensei que teria dificuldades em aprender, contudo, como fui apresentada ao novo conteúdo, me motivou a querer aprender, tanto é que fechei os quatro bimestres do ano com 100 na disciplina.


♏♏♏


Mari Oliveira tirou notas dentro da média, Juliana também, mas a maioria dos meninos estava no mesmo barco da Mari Franco, que era a aluna cujo desempenho estudantil era baixíssimo. No entanto, ainda tínhamos três bimestres pela frente e daria tempo de recuperar, claro, se nossa amiga se esforçasse mais para tirar boas notas do que para flertar com garotos.

Eu esperava de todo o coração que a Mari Franco reagisse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥

Mary Recomenda | Querida Kitty - Anne Frank

  Hoje é sexta-feira e nada como sextar acompanhando o Mary Recomenda. Na edição de hoje, nossa convidada especial é Anne Frank e sua Queri...