7º Capítulo
Voltei no segundo domingo de fevereiro, na parte da tarde. Chorei ao contemplar o mar pela última vez e também pensei na alegria de poder me livrar de Meire e continuar estudando no colégio onde podia me dar ao luxo de ser uma criança normal como qualquer outra.
-Nada está perdido, Tita. No ano que vem você voltará para cá.
-E nós vamos estudar juntas por mais um ano. - Aline me abraçou.
-E nós vamos estudar juntas por mais um ano. - Aline me abraçou.
-A menina Aline tem razão, meu amor. - Felix alisava minhas mãos. - Não precisa chorar.
-Vocês vêm mesmo me buscar?
Meire deve ter visto que o carro estacionou, pois podia ver de longe aqueles inigualáveis olhos de coruja espionando tudo pela cortina.
-E ainda duvida, Tita?
-Só quero saber se é verdade. Pode ser que mamãe não deixe.
-Conversarei com ela.
-Promete, pai?
-Com todo o meu coração.
Papai e eu nos abraçamos, mas gostando ou não, tinha de enfrentar Meire.
-Tchau, meu amor. Eu volto amanhã para buscar suas coisas. – Helena e Felix se despediam de mim do lado de fora do automóvel. Eles me ajudaram com as malas e deixariam Aline na casa de Nice.
-Tchau. Te espero, pai. – fechei a porta sem querer desgrudar minhas mãos das deles.
-No horário que a gente marcou. – Helena reiterou com um suave olhar materno.
-Até amanhã, Tita. - Aline acenou para mim.
Entrei em casa. O áspero cumprimento de minha mãe parada em frente ao sofá de 3 lugares era evidente. Ela odiou tudo aquilo. Mais ainda meu retorno. Estava de volta a filha indesejável, o estorvo que ‘arruinou’ sua juventude.
-Aprontou muito por lá? – deboche completo.
-Que loucura, mãe! É assim que me recebe? – indignação mais que justificável.
-Queria que eu te esperasse com flores?
-Queria que pelo menos perguntasse se eu me diverti, se gostei da praia... – tive uma crise de choro. – Mas me lembrei: você não é a Helena...
Fui para meu quarto, me atirei na cama abraçando com força meu travesseiro e sequer tive apetite para suportar minha mãe durante o jantar. Vivenciava a mesma sensação do último dia de aula. Voltar para casa, o inferno glacial sob o domínio do diabo de calça tactel e correia na mão, a experimentando em mim como se aquilo fosse à coisa mais bonita do mundo. Aquela era minha vida.
Minhas utopias me mantiveram viva a infância toda, mas a dor chegaria ao fim na manhã seguinte quando Felix Linhares, o herói dos cabelos pretos e olhos esverdeados, com sua princesa ajudante Helena, me salvaria da opressão com o super Kadett 93, o mesmo carro em que fui feliz até os 8 anos. Em uma casa azul seria meu reino encantado, típico final de novela.
-Não sei por que tanto chora. Seu pai só foi gentil com você. – Meire cortava o barato dos meus sonhos com trilha sonora.
-Isso não é verdade. Meu pai me ama e se quer saber, estou indo morar com ele.
-Pode ir.
-Assim não preciso mais olhar na sua cara.
-É bom que não erga mais a voz comigo, sua mal educadinha. Foi só passar uns dias com aquela piranha da Helena que já voltou com as manguinhas de fora.
-Não fala assim da Helena. Ela é muito mais legal que você.
-Ah sim, aquela porca fofoqueira... Ah sim...
-É sim. Ela sim sabe ser mãe.
-Ah sim, até gorda voltou pra casa. Comeu um monte de porcaria que aquela vaca te forçou a comer. Parece mesmo que seu papaizinho te comprou com presentinhos, né?
-Ele é meu pai, ora.
Entrei em casa. O áspero cumprimento de minha mãe parada em frente ao sofá de 3 lugares era evidente. Ela odiou tudo aquilo. Mais ainda meu retorno. Estava de volta a filha indesejável, o estorvo que ‘arruinou’ sua juventude.
-Aprontou muito por lá? – deboche completo.
-Que loucura, mãe! É assim que me recebe? – indignação mais que justificável.
-Queria que eu te esperasse com flores?
-Queria que pelo menos perguntasse se eu me diverti, se gostei da praia... – tive uma crise de choro. – Mas me lembrei: você não é a Helena...
Fui para meu quarto, me atirei na cama abraçando com força meu travesseiro e sequer tive apetite para suportar minha mãe durante o jantar. Vivenciava a mesma sensação do último dia de aula. Voltar para casa, o inferno glacial sob o domínio do diabo de calça tactel e correia na mão, a experimentando em mim como se aquilo fosse à coisa mais bonita do mundo. Aquela era minha vida.
Minhas utopias me mantiveram viva a infância toda, mas a dor chegaria ao fim na manhã seguinte quando Felix Linhares, o herói dos cabelos pretos e olhos esverdeados, com sua princesa ajudante Helena, me salvaria da opressão com o super Kadett 93, o mesmo carro em que fui feliz até os 8 anos. Em uma casa azul seria meu reino encantado, típico final de novela.
-Não sei por que tanto chora. Seu pai só foi gentil com você. – Meire cortava o barato dos meus sonhos com trilha sonora.
-Isso não é verdade. Meu pai me ama e se quer saber, estou indo morar com ele.
-Pode ir.
-Assim não preciso mais olhar na sua cara.
-É bom que não erga mais a voz comigo, sua mal educadinha. Foi só passar uns dias com aquela piranha da Helena que já voltou com as manguinhas de fora.
-Não fala assim da Helena. Ela é muito mais legal que você.
-Ah sim, aquela porca fofoqueira... Ah sim...
-É sim. Ela sim sabe ser mãe.
-Ah sim, até gorda voltou pra casa. Comeu um monte de porcaria que aquela vaca te forçou a comer. Parece mesmo que seu papaizinho te comprou com presentinhos, né?
-Ele é meu pai, ora.
-É tão seu pai que só te liga uma vez a cada 10 anos.
-O importante é que ligue. Ao menos ele demonstra amor por mim.
-Amor?
-Amor sim, amor que você nunca me deu nem finge ter. – chorei muito.
-Amor?
-Amor sim, amor que você nunca me deu nem finge ter. – chorei muito.
-Se quiser amor, se case. E eu duvido muito que alguém um dia vá querer se casar com você... Se continuar comendo que nem aquela esfomeada da Helena não vai passar da porta... Não sei como aquela baranga infeliz conseguiu se casar. Só pode ter feito alguma bruxaria. - riu com deboche - Amor? Amor... Você é muito dramática, garota. Fica vendo essas novelinhas e acha que tudo se resume a amor, amor, amor. Vá criar vergonha na cara e viver a vida real. Já que quer tanto amor, case-se.
-Aos 11 anos, certo. – minha ironia me custava uns tapas na cara, mas era vício. – Graças a Deus esse tapa foi o último que você me deu porque amanhã meu pai vem me buscar, sabia? Sim, eu vou embora daqui e não volto nunca mais.
-Que assim seja, rainha do drama!
Minha mãe poderia me matar com apenas um olhar. Descarado satanismo. Bateu a porta do meu quarto com força e trancou-me por fora. Costumava fazer isso quando eu tinha meus 5 aninhos. Depois que eu urinava nas calças ela me batia o dobro.
Cheguei a sonhar que tinha 8 anos de idade novamente e em um parque estava de mãos dadas com papai de um lado, Helena de outro. Estava tocando Vivo por ella – Sandy & Andrea Bocelli. Não me esqueço dessa música porque foi a tele mensagem de meu pai em meu aniversário de 11 anos. Acordei sorrindo e fui ouvir a música para aprontar minhas malas e me livrar de Meire para sempre.
Mamãe estava particularmente bem humorada naquele dia, o que era estranho. Sentei-me no sofá para assistir televisão e aguardei meu pai por horas a fio, alheia as peripécias de meus personagens favoritos. Ao fim do dia, quando estava decidida a telefonar, já com o choro saindo, Meire, sorrindo, me avisou:
-Seu pai não vem mais te buscar...
-Como assim meu pai não vem me buscar? Ele me prometeu!
-E esqueceu!
-Meu pai é um homem honesto e jamais mentiria pra mim.
-É o que você pensa, querida. Seu pai não é esse santo aí que você coloca num pedestal. Eu diria que ele vacilou bastante em te enganar, não acha?
-Ele não fez isso.
-Fez sim. Melhor que aceite.
-Isso não pode estar acontecendo. – meu mundo desabou.
-Pois aconteceu, queridinha.
-Você o afugentou como fez com a mãe da Mari aquela vez.
-Aos 11 anos, certo. – minha ironia me custava uns tapas na cara, mas era vício. – Graças a Deus esse tapa foi o último que você me deu porque amanhã meu pai vem me buscar, sabia? Sim, eu vou embora daqui e não volto nunca mais.
-Que assim seja, rainha do drama!
Minha mãe poderia me matar com apenas um olhar. Descarado satanismo. Bateu a porta do meu quarto com força e trancou-me por fora. Costumava fazer isso quando eu tinha meus 5 aninhos. Depois que eu urinava nas calças ela me batia o dobro.
Cheguei a sonhar que tinha 8 anos de idade novamente e em um parque estava de mãos dadas com papai de um lado, Helena de outro. Estava tocando Vivo por ella – Sandy & Andrea Bocelli. Não me esqueço dessa música porque foi a tele mensagem de meu pai em meu aniversário de 11 anos. Acordei sorrindo e fui ouvir a música para aprontar minhas malas e me livrar de Meire para sempre.
Mamãe estava particularmente bem humorada naquele dia, o que era estranho. Sentei-me no sofá para assistir televisão e aguardei meu pai por horas a fio, alheia as peripécias de meus personagens favoritos. Ao fim do dia, quando estava decidida a telefonar, já com o choro saindo, Meire, sorrindo, me avisou:
-Seu pai não vem mais te buscar...
-Como assim meu pai não vem me buscar? Ele me prometeu!
-E esqueceu!
-Meu pai é um homem honesto e jamais mentiria pra mim.
-É o que você pensa, querida. Seu pai não é esse santo aí que você coloca num pedestal. Eu diria que ele vacilou bastante em te enganar, não acha?
-Ele não fez isso.
-Fez sim. Melhor que aceite.
-Isso não pode estar acontecendo. – meu mundo desabou.
-Pois aconteceu, queridinha.
-Você o afugentou como fez com a mãe da Mari aquela vez.
-E EU NÃO SOU VOCÊ, SOU SENHORA.
-A senhora o expulsou como fez com a dona Neide.
-Eu? Eu não fiz nada. Foi seu pai quem fez.
-Não acredito. – ela teria de me confessar o que aprontou.
-Deveria. – satânica – Papai não vem mais te buscar. Te deixou esperando, que peninha. Percebi que já tinha arrumado as malinhas pra vazar daqui, não? E ele te decepcionou. Sem palavras. – cínica – Sua sorte é que eu sou benevolente e não te expulso daqui porque sei que não tem idade, muito menos competência para se virar sozinha, mas não pense que faço questão de tê-la por aqui porque não dou à mínima.
Tentei apanhar o telefone para esclarecer o mal entendido, mas mamãe, num ato descomedido, arrancou a tomada de modo que até o interruptor veio junto. Saí correndo, mas meu braço foi puxado com força e eu fui empurrada contra a parede. Com o impacto, bati a cabeça e desacordada fui surrada até urinar e sentir minhas costas em carne viva. Odiava duplamente meu pai. Fez-me sofrer novamente.
-Antes de ir, uma notícia para nossa rebeldinha de plantão: as aulas começam amanhã e você já está matriculada no novo colégio.
Ainda zonza e me segurando na parede para caminhar, precisava tomar um banho e me recompor. De qualquer forma, fugiria no dia seguinte. As malas ainda estavam prontas e eu tinha alguns trocados.
-Eu? Eu não fiz nada. Foi seu pai quem fez.
-Não acredito. – ela teria de me confessar o que aprontou.
-Deveria. – satânica – Papai não vem mais te buscar. Te deixou esperando, que peninha. Percebi que já tinha arrumado as malinhas pra vazar daqui, não? E ele te decepcionou. Sem palavras. – cínica – Sua sorte é que eu sou benevolente e não te expulso daqui porque sei que não tem idade, muito menos competência para se virar sozinha, mas não pense que faço questão de tê-la por aqui porque não dou à mínima.
Tentei apanhar o telefone para esclarecer o mal entendido, mas mamãe, num ato descomedido, arrancou a tomada de modo que até o interruptor veio junto. Saí correndo, mas meu braço foi puxado com força e eu fui empurrada contra a parede. Com o impacto, bati a cabeça e desacordada fui surrada até urinar e sentir minhas costas em carne viva. Odiava duplamente meu pai. Fez-me sofrer novamente.
-Antes de ir, uma notícia para nossa rebeldinha de plantão: as aulas começam amanhã e você já está matriculada no novo colégio.
Ainda zonza e me segurando na parede para caminhar, precisava tomar um banho e me recompor. De qualquer forma, fugiria no dia seguinte. As malas ainda estavam prontas e eu tinha alguns trocados.
Primeiro dia de aula com chuvas torrenciais, estridentes berros da minha mãe e a visão do inferno.
-Esse ano só quero notas acima de 8. Um 7,9 e eu te surro pelada debaixo do chuveiro quente, sua vagabunda imprestável. Agora desce e faça o favor de não me fazer precisar pisar aqui sem ser para buscar os boletins com as notas perfeitas.
Desci do carro querendo lhe fazer um gesto obsceno. Mentalmente a xingava de todos os palavrões que conhecia. Com minha capa de chuva, logo já fui zoada pelos meninos porque pisei em uma poça de água. Para completar, minha mãe berrou de dentro do carro:
-Ê DESASTRADA...
E buzinou única e exclusivamente para me deixar embaraçada diante dos meus novos velhos colegas. Entrei na escola como se estivesse sendo presa. De certa forma, o diabo sorria; eu estava no inferno novamente.
-Esse ano só quero notas acima de 8. Um 7,9 e eu te surro pelada debaixo do chuveiro quente, sua vagabunda imprestável. Agora desce e faça o favor de não me fazer precisar pisar aqui sem ser para buscar os boletins com as notas perfeitas.
Desci do carro querendo lhe fazer um gesto obsceno. Mentalmente a xingava de todos os palavrões que conhecia. Com minha capa de chuva, logo já fui zoada pelos meninos porque pisei em uma poça de água. Para completar, minha mãe berrou de dentro do carro:
-Ê DESASTRADA...
E buzinou única e exclusivamente para me deixar embaraçada diante dos meus novos velhos colegas. Entrei na escola como se estivesse sendo presa. De certa forma, o diabo sorria; eu estava no inferno novamente.
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