Simplesmente Tita — 18º Capítulo


 
19º Capítulo
 
No Dia dos Pais eu costumava preparar dois cartões: um para Félix e outro para Horácio. Meu padrasto chorava de emoção sempre. Nem sempre ele conseguia amansar o temperamento durão de Meire, mas ainda assim não desistia. Sempre que podia, guardava algum segredo e naquele ano, depois da professora Daniela, apoiou a ideia de preparar uma surpresa toda especial para a grande troglodita no segundo domingo de maio.
Mariana Franco e o irmão presenteariam Neide com uma batedeira planetária de último tipo e receberiam a ajuda financeira do pai. Juliana e os irmãos levariam a mãe para almoçar num restaurante e eu, claro, disse que faria uma surpresa da qual Meire das Neves jamais se esqueceria.
Eu não sabia preparar um café, mas Daniela me sugeriu pedir a ajuda do meu padrasto e ele, lógico, nem pestanejou. Usaríamos uma bandeja de prata a qual Meire amava e só tirava de dentro do balcão quando recebíamos visitas (ou seja, raramente). Se não era possível comprar uma cesta pomposa de café da manhã, como Mariana Oliveira daria para a progenitora.
Pouco antes do grande dia, a professora Ivana nos liberou para que criássemos cartões aplicando nossos conhecimentos até o momento sobre cores primárias, secundárias e terciárias. Na sexta-feira a turma toda trouxe cartolina, papel crepom, purpurina, canetinhas, lápis de cor, tesoura, cola, deixando a imaginação rolar.
Um menino era criado pela avó, outro tinha uma madrasta a qual considerava mãe e a docente aproveitou a ocasião para dizer que também se podia presentear tia, avó, madrinha, qualquer pessoa por quem se tivesse carinho maternal, com a condição de que todos participassem da atividade em classe.
Com a melhor das intenções criei dois cartões escrevendo palavras que vieram do meu pequeno coração, que não foram copiadas de nenhum lugar, tudo porque queria que uma vez na vida mamãe se orgulhasse.
Eu moveria céus e terra para ver um sorriso brotar daqueles lábios rachados que não gostavam nem um pouco de batom e estavam sempre rígidos, tensos, prontos para uma eventual réplica, uma implicância costumeira. Meire teria um dia de rainha porque mesmo que não pudéssemos reservar uma mesa naquele restaurante famoso do nosso bairro, meu padrasto assaria um churrasco e cuidaria do restante.
Horácio comprou torradas no mercado, um vaso de violetas e uma caneca de cerâmica bem bonita com a seguinte inscrição: MÃE, VOCÊ É MINHA RAINHA. Ele caprichou ao passar o café, adoçando-o do jeitinho que a esposa gostava, colocou o cartão colorido de um lado, as torradas e a caneca do outro, deixando que eu oferecesse as flores e um doce beijo de bom-dia, deixando a porta entreaberta para trazer a bandeja enquanto eu ia atrás dele segurando o vasinho de violetas.
— Bom dia! — Horácio e eu cumprimentamos mamãe, que ainda vestia uma camisola de poliéster cinza e nos olhou com estranheza enquanto se sentava na cama.
— O que foi? Por que estão me olhando desse jeito? — Ralhou Meire.
— Feliz Dia das Mães! — Apoiei o vasinho na cômoda onde ficava o televisor e corri com os braços abertos, no entanto, mamãe recusou o abraço e ainda se queixou que não queria “dramalhão”.
— E daí? O que tem de mais?
— Hoje é o seu dia! — Lembrei-a. — Tem uma surpresa para a senhora.
Meire bebeu um gole de café como se fosse urina de rato e reclamou que torrada fazia muita sujeira, que não era para usar a bandeja, se queixou das migalhas, da suposta bagunça na cozinha e arregalou os olhos com ironia quando lhe disse sobre o presente até encontrar o cartão e inquirir:
— O que é essa porcaria?
— Não gostou do meu cartão?
— Que cartão?
— Meu presente de Dia das Mães.
— Presente?
Meire das Neves encarou o cartão com um desprezo tão grande de partir o coração:
— Não vai abrir?
— Eu não quero ler as suas loucuras, Renata.
— A gente fez na aula de Artes.
Horácio olhou consternado para mim.
― Meire, meu bem, você deveria ficar feliz por ter uma filha tão maravilhosa como a Tita. A ideia de fazer uma surpresa para você partiu dela. — Disse Horácio, tão chocado quanto eu.
― Surpresa?
― Sim, mãe. Criei esse cartão para a senhora. Não lerá ou pensa em ler mais tarde?
― Você sabe que odeio essas coisas de cartão, bilhete…
― Pensei que a senhora ficaria feliz por ganhar um presente.
― Você chama isso de presente?
Meire atirou a caneca longe e por pouco não acertou Horácio, que estava perto do batente da porta, levantou-se numa ira danada, me bateu feio e me obrigou a limpar o chão.
No dia seguinte não tive dúvidas para quem ofereceria o outro cartão. E ela sabia. O sorriso aberto era a recompensa. Recebendo com tanta ternura que me culpei quando vi a doce e amável Daniela com os olhos cheios de lágrimas, lendo a mensagem que escrevi sem copiar de lugar nenhum. E um abraço, por fim.

2 comentários:

  1. Seria legal a Profª Daniela e o Prof. Vando ficarem juntos < 3

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    1. Acho que é uma das coisas que a Tita mais quer <3
      Além de tudo eles combinam tanto...

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