Parte 9 | O capiroto faz a panela, mas se esquece da tampa
— Aconteceu alguma coisa horrível! — Marcela cai de joelhos no piso da cozinha e os meninos se ajoelham para amparar a mãe. Ela diz com a voz abafada e chorosa: — Mataram o amor da minha vida! Eu posso sentir! Ele se foi!
Beto se levanta do chão e ajuda a mãe a sentar-se numa cadeira:
— Precisamos tomar alguma providência!
André oferece à mãe um copo d’água com açúcar e deixa a cozinha.
💪💪💪
Comadre pediu um carro de aplicativo e voltou para casa. Para apagar quaisquer vestígios de suas atitudes, acendeu uma fogueira no quintal para queimar as vestimentas utilizadas para invadir a casa dos Prado Mendes. O plano teve alguns contratempos, mas os fins justificam os meus, na percepção dela.
— Agora vem a parte mais difícil de todas: disfarçar minha alegria perto daquela sonsa. Quando quero, sei ser uma ótima sonsa. Como Titia Rorô, estou só no aguardo da ligação. Força, Comadre! Força!
💪💪💪
André encontrou o pai sentado na calçada.
— Pô, pai, tudo bem aí?
— Alguém tentou me acertar com uma pedra, mas acertou as janelas da sala! — conta Augusto. — Dos males, o menor.
— Cê viu para onde ele foi?
— Fugiu.
— Então por que cê tropeçou, pai?
— Porque bem na hora que eu estava saindo da garagem para correr atrás do ladrão, tropiquei no gato do vizinho. Senti-me o próprio Seu Madruga caindo e dando uma cambalhota, ainda bem que ninguém viu!
Marcela volta a cair de joelhos quando vê Augusto vivo, mas mancando. Ele, mesmo com dificuldades de locomoção, aproxima-se dela.
— Mãe, o pai está bem! — avisa André. — Ele… ele tropeçou no gato do vizinho.
A família Prado Mendes está reunida na cozinha. Marcela abraça o marido, investigando se está tudo bem com ele. A mesa de jantar está desorganizada, com algumas xícaras de café e pratos ainda não lavados.
Beto volta à cozinha e mostra um amontoado de pulseiras barulhentas. Todos se espantam. Ele estava de pé, segurando as pulseiras à altura do peito.
— Onde você achou isso, Beto? — pergunta André, bebendo suco de abacaxi.
— Essas pulseiras se parecem muito com aquelas que a Comadre costuma usar — Marcela responde.
— Você não fala com ela há quanto tempo?
— Tem mais ou menos uns meses, semanas, já nem sei… desde que começou a quarentena, todos os dias parecem tão iguais.
— Preciso mostrar umas evidências para vocês. E isso não é bom!
Marcela coloca as mãos no peito, aflita:
— Não sei se tenho fôlego para isso, não!
Marcela coloca as mãos no peito, aflita. Ela está de pé, ao lado de Augusto, que segura sua mão com carinho e a beija, permitindo que Beto mostre as fotografias e os vídeos colhidos durante uma inspeção na garagem.
— Você é quase um Sherlock Holmes, Betinho! — exclama Marcela, orgulhosa.
— Se não fosse pelo quase — brinca Augusto, para desanuviar aquele clima pesado.
Beto espalha as fotografias e vídeos sobre a mesa. Augusto e Marcela se aproximam para ver melhor. André, ainda sentado, observa as evidências com atenção.
— Agora vocês acreditam que minha investigação não é nenhum delírio? — indaga Beto.
— Acho que o Roberto está seguindo uma linha de raciocínio que jamais me tinha ocorrido. Dentro de mim, nunca gostei da Comadre, nunca senti verdade nas adulações dela para comigo, mas ainda a tolerava porque ela cuidou da Marcela quando a mãe dela morreu e eu tinha consideração, gratidão, respeito. Fico estarrecido em confirmar minhas suspeitas particulares porque gostaria que elas fossem falaciosas e eu me envergonhasse por ter pensamentos tão mesquinhos — desabafa Augusto.
— Antes eu me sentia de certo modo culpada por não gostar das visitas dela, pensava que ela gostava mais de nós do que nós dela. Agora entendo por que meu falecido pai dizia que a decepção que mais dói não é aquela que vem de um inimigo, um estranho, mas aquela que vem de um amigo, de uma pessoa por quem você tem uma grande estima e admiração. É sentir que tudo que vivi até agora não passou de uma farsa!
Augusto, com um semblante sério, se aproxima de André e coloca a mão em seu ombro.
— André, eu não perdoarei os insultos dirigidos a você. Ninguém tem o direito de te tratar assim.
André começa a chorar ainda mais, comovido, surpreso e cabisbaixo:
— Muitas vezes pensei em acabar com tudo, pai.
— Por quê, filho?
— Porque eu sempre me senti culpado por decepcionar o senhor e a mãe.
— Isso não é verdade! — protesta Marcela.
— Sei que não dei em nada na vida. Nunca gostei de estudar porque nunca consegui gostar de outra matéria que não fosse educação física. Sonhei a vida inteira em ser jogador de futebol e fracassei até nisso, não sei por que existo se não presto para nada!
— De que adianta diploma na parede e ser um cuzão que nem o Tino Cavalli? — opina Beto. — Pelo menos você foi atrás do seu sonho de ser jogador, não ficou esperando cair do céu. Ainda assim, você pode continuar jogando, nada te impede.
— Sempre tentei levar as piadinhas maldosas da Comadre na esportiva, fingir que tudo entrava por um ouvido e saía pelo outro, mas sempre me senti atingido por elas. Na verdade, sempre achei que vocês concordavam com ela.
— Eu sempre fui o “folgado atrevido” e do tipo “bateu, levou”. Não diz o ditado que quem fala o que quer, ouve o que não quer? — gaba-se Beto.
— Quando pego nos pés de vocês é por me preocupar com as vidas de vocês — inicia Augusto, emocionado. — Por acaso é um mal querer o bem de alguém? Reconheço que já passei dos limites e fui duro demais com vocês, mas peço perdão. Admito ter nutrido muitas expectativas em cima de vocês, assim como meu pai criou comigo. A cada ano que passava, a frustração só crescia e eu, sim, comparava vocês com os filhos de amigos e conhecidos meus, tinha o João Augusto em alta conta. No entanto, mudei minha forma de ver a vida, ver vocês, então, quero dizer que nenhum de vocês precisa ser médico, CEO, funcionário público ou engenheiro da NASA para me encher de orgulho. Seja jogando bola, na academia, na cozinha, tocando baixo, façam o que vocês gostam e sejam verdadeiros consigo mesmos. Acima de tudo, sejam bons homens. O mundo precisa de bons homens!
Aos prantos, a família se abraça.
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