Pô, Pai | A epifania de André - parte 7

 

Parte 7 | A casa caiu

Em meio à pandemia, a população de Balneário dos Anjos encontra uma forma de protestar sem quebrar os protocolos de contenção do vírus. Bandeirinhas brancas e pretas são colocadas nas janelas e varandas das casas, para expressar o pesar e a indignação da comunidade com a morte precoce e injusta do menino Luan.
— Isso não traz o piá de volta, mas acho que esse caso não vai dar em nada — diz André, olhando para as bandeirinhas que pendurou na sacada da casa dos Prado Mendes.
— Você pode pensar até que sou louco, mas desconfio que quem te xinga nos vídeos é um fake da Comadre — conta Beto. — Vou mais longe ainda: na certa foi ela que mandou o seu vídeo para o falastrão arregão.
— De onde você tirou tudo isso?

— Cê lembra que a mãe bloqueou a Comadre e ela veio aqui tirar satisfações? Então, mano, a mãe rompeu relações com ela, que provavelmente viu o seu vídeo, criou um fake para te xingar e dar a impressão de ser uma pessoa conhecida.
— Tá, tá, essa parte eu já entendi, mas o que isso tem a ver com o caso do piá que morreu?
— Ela não quis tanto te expor ao ridículo? Saiu pela culatra porque você não fez nada de errado e ainda ficou amigo do Igôr, não foi?
André meneia a cabeça.
— Quebrei a cabeça e tive uns revertérios, mas fiz capturas de tela de todos os comentários escrotos que ela fez nos seus vídeos, não concluí por achismo, pô! Foi então que encontrei o nome Tridelgunda Ziegenschwarz.
— Você fala, fala, fala, mas eu não estou entendendo onde você quer chegar.
— A Comadre não é tão inteligente quanto pensa porque ela criou um fake com o nome dela ao contrário.
— A Comadre se chama Tridelgunda?
— Sim…
— Cara, esse nome parece um palavrão!
— Por isso todo mundo chama ela de Comadre, entendeu?
— Ainda continuo confuso.
— Sem ninguém se vingar nem nada, o carma já bateu na porta da Comadre. O João Augusto, o filho dela, está entre os envolvidos no caso do Luan. O mesmo João Augusto metidinho, que nunca quis brincar com a gente. Ninguém vai se esquecer dele tão cedo porque está todo mundo revoltado com o que aconteceu.
— Acho que tudo vai terminar em pizza. A corporação esconderá eles por um tempo, até a mídia parar de falar do caso, mas depois esses caras voltarão às ruas e sabe-se lá quem será a próxima vítima?
— A gente precisa ter esperança, mano. Os tempos já são difíceis demais!
— Eu queria ter, mas não sou como você, não tenho mais esperança em nada, acho que as coisas só tendem a piorar. 

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A revolta da comunidade contra Tino Cavalli aumenta a cada hora. As redes sociais estão fervendo e a hashtag #ForaTino ganha força. Grupos de ativistas e organizações de direitos humanos se manifestam publicamente contra o apresentador.
O Tribunal de Justiça de Balneário dos Anjos determina que João Velloso, dono da TVTV, afaste Tino Cavalli dos noticiários, porém a medida é descumprida e o abjeto falastrão decide permanecer no ar de plantão.
Tino Cavalli volta a discutir a comoção gerada pelo falecimento do menino Luan e desdenha:
— Morreu? Enterra! — A agressividade de Tino apavora os integrantes da produção do jornal da hora do almoço. — A vida continua! Muitos por aí que estão lamentando a morte desse noiado pederasta querem canonizar o falso santinho, mas essa história está muito mal contada. Três policiais inocentes, pais de família, cristãos, cidadãos de bem, três policiais trabalhadores e honestos estão sendo massacrados pela opinião pública por agirem corretamente na abordagem, estão sendo punidos porque são os bodes expiatórios da vez. Eu, por acaso, estou errado? Estou errado? Eu, Tino Cavalli, tenho sido a única voz a mostrar a verdade, o que a RPN não mostra.
Ele percebe uma movimentação atípica dentro do estúdio e sua frio ao reconhecer um oficial de justiça acompanhado de três policiais. Nesse caso, o diretor do jornal ameaça demitir toda a equipe se não colocar um intervalo comercial às pressas, enquanto a situação não se resolve.
— Senhor Tino Cavalli, estamos aqui para executar uma ordem judicial. — O oficial de justiça mostra o distintivo dele ao apresentador: — A transmissão deste programa será interrompida imediatamente devido às graves violações éticas e legais cometidas.
— Vocês só podem estar equivocados! Eu sou Tino Cavalli, cidadão de bem, não admitirei ser desacatado e censurado! — Ele ordena à equipe que deve ficar no ar.
— Estamos somente cumprindo a lei. O senhor terá a oportunidade de se defender no tribunal.
— Vocês são todos um bando de incompetentes! Não vão me calar! Eu tenho o direito de falar o que quiser!
— Por favor, senhor Cavalli. Nós não queremos utilizar a força — diz um dos policiais que usa um quepe da corporação e um colete preto à prova de balas.
— Não me prenda, doutor. Eu sou um de vocês. Eu sou um cara que admira a polícia mais do que tudo. Aqui no meu programa eu sempre me posiciono a favor de vocês.
— Uma liminar da justiça tirou o seu programa e a TVTV do ar — declara o oficial de justiça, com um semblante mais sisudo. — Como nem o João Velloso, nem o senhor cumpriram as determinações, não nos restou outra alternativa.
— Esse programa não sairá do ar. Vou denunciar ao vivo todos os abusos que estou sofrendo por ser um comunicador que só fala a verdade. Meus fãs precisam saber disso, o Brasil precisa saber disso…
Os policiais, percebendo que a situação está fora de controle, dão voz de prisão a Tino por desacato e resistência à autoridade. Ele é algemado ao vivo, enquanto a audiência assiste chocada.
— Senhor Tino Cavalli, o senhor está preso por desacato e resistência à autoridade. Tem o direito de permanecer calado. Tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal.
— Isso é uma injustiça! Vocês vão pagar por isso!
Enquanto Tino é levado, o oficial de justiça se dirige aos técnicos da emissora.
— Por favor, lacrem os transmissores e interrompam a transmissão imediatamente. Qualquer resistência será considerada obstrução da justiça.
Os técnicos, relutantes, começam a desligar os equipamentos e lacrar os transmissores. A tela da TV se torna estática, e a transmissão é interrompida abruptamente. Nas redes sociais, a prisão do falastrão é comemorada e a hashtag #TinoNoXadrez se torna o assunto mais comentado do dia. 

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Na casa da Comadre, todas as atenções estão voltadas para o televisor de tubo. Ela chora copiosamente no sofá desde que o sinal da TVTV saiu do ar. João Augusto, afastado das ruas enquanto durarem as investigações, adentra a sala com dois potes de sorvete:
— Quer, mãe?
— Preciso afogar minhas mágoas — Comadre engole a primeira colherada de sorvete de morango. — O que aconteceu com o Tino é uma injustiça sem tamanho, filho. Ele é a única pessoa que fala a verdade!
João Augusto, sentado ao lado dela, a conforta:
— Mãe, calma! Só peru morre de véspera! Sabe o que eu acho? Que tudo isso é encenação. Ele é forte, não vai se deixar abater por meia dúzia de haters de internet. Ele tem grana, vai pagar fiança e voltar bem antes do que você imagina. É que nem a corporação está fazendo comigo, quando a verdade vier à tona, eu volto ao meu posto e tudo volta ao normal.
— Eu acredito em você, meu filho. Sei que você também está sendo injustiçado e sofrendo muito com tudo isso.
— Eu me inspiro no Tino e assim como ele sairá dessa situação mais forte do que quando entrou, assim será comigo também.
— Eu te admiro tanto, meu filho. Você pode até ter se envolvido naquela barbárie, mas eu não me importo. Vergonha eu teria se você… humm… sabe… mas não tenho medo disso porque te criei muito bem, ao contrário de certas lunáticas por aí!
— Quem?
— Não soube que o filho mais novo da Marcela se assumiu gay na internet? Mas, vem cá, meu pimpolho, como é bom ser sua mãe, meu orgulho.
João Augusto abre um sorriso desconcertado e reflete sobre as palavras da mãe enquanto a abraça, mas o desconforto em seu olhar persiste. Ainda há muitos segredos escondidos e é melhor que seja assim, ao menos por enquanto.