Pô, Pai | A epifania de André - parte 6

 

Parte 6 | Quem fala o que quer, ouve o que não quer 


A corporação da PM de Balneário dos Anjos, pressionada pelo apelo popular, decide acatar as demandas e inicia uma investigação sobre os policiais envolvidos no episódio de agressão contra o menino Luan, de 15 anos.
Tino Cavalli está em seu estúdio, cercado por monitores exibindo imagens de manifestações e reportagens sensacionalistas. Visivelmente irritado, se prepara para a entrevista ao vivo com o comandante-geral da PM, Coronel Henrique Alencar, na volta do intervalo do TVTV News.
—  Coronel Henrique Alencar, a corporação da PM cedeu à pressão popular e iniciou uma investigação sobre os policiais envolvidos. O senhor acha justo esses profissionais serem tratados como criminosos enquanto fazem seu trabalho de proteger a sociedade?
— Boa noite, Tino! Boa noite aos telespectadores da RTN…
TVTV — corrige Tino. — Estamos ao vivo na TVTV!


— Boa noite, telespectadores da TVTV. Sinto muito, mas discordo do senhor. Acredito que é essencial garantir que a lei seja seguida por todos, inclusive pelos policiais. Se houve abuso de poder, isso precisa ser investigado e punido, para manter a confiança da população na força policial.
— Então o senhor está dizendo que os policiais serão afastados do trabalho enquanto a investigação estiver em andamento? Esses profissionais estão arriscando suas vidas diariamente para proteger cidadãos de bem, enquanto são atacados por um bando de ativistas e jornalistas sensacionalistas!
— Tino, com todo o respeito, não podemos nos dar ao luxo de ignorar o que aconteceu.
— Coronel, parece que o senhor não entendeu a minha pergunta — Tino assume uma postura mais ríspida.
— Imagens de câmeras de segurança mostram claramente o uso excessivo da força. Não se trata de prejulgamento, mas de responsabilidade e transparência. A polícia militar é uma instituição que deve servir à população e garantir a segurança de todos, sem exceções.
— Com todo respeito ao senhor, as colocações feitas são infundadas, inconcludentes, incoerentes.
— Com base em quê?
— O entrevistado aqui é o senhor.
— Então, por obséquio, deixe-me explicar ao público.
— Entendo com propriedade as pressões enfrentadas pelos meus colegas policiais, no entanto, você não considera toda essa comoção e exposição do caso desnecessária?
— Enquanto jornalistas falastrões e mal-intencionados quiserem se sobressair às notícias, teremos esse jornalismo tacanho, sensacionalista e oportunista — O coronel alfineta Tino, que faz caras e bocas. — Ninguém quer saber da sua opinião, a gente quer as notícias para construir uma opinião. Estou tentando elucubrar os pontos mais importantes sobre o posicionamento da nossa corporação acerca deste caso e o senhor não para de interromper minhas colocações.
— Coronel, vamos ser honestos aqui. A segurança pública está em frangalhos! E agora o senhor quer punir os únicos que continuam tentando fazer algo?
— O senhor não aprendeu lá na infância que quando uma pessoa está falando, deve esperar a sua vez?
— Recebi uma excelente educação, meu senhor.
— A despeito disso, o que toda a sociedade quer agora é justiça, Tino. Respostas. A sociedade quer respostas. Punir aqueles que violam a lei, independentemente de quem sejam. É inaceitável usar a farda como um escudo para cometer atrocidades, compromete todos os policiais que exercem o ofício com dignidade e preza pelo bem-estar da comunidade. Os envolvidos no caso estão sendo investigados e caso seja confirmada a participação direta deles, tomaremos todas as medidas cabíveis para cooperar com a justiça.
Eu percebo que com essa narrativa você está cedendo às chantagens de certas camadas da sociedade e se comportando como um juiz do caso.
— E o que o senhor faz diariamente, Tino Cavalli? O senhor não está preocupado com a solução do caso, está tomando partido, induzindo seus telespectadores a se comportar como se um crime hediondo fosse um folhetim para amar mocinhos, odiar vilões e tratar a justiça com as próprias mãos como a solução para solucionar conflitos.
— O senhor está me desautorizando no meu jornal?
— De maneira alguma, Tino. — prossegue o comandante-geral, calmo e firme. — Há muitos policiais dedicados e honestos que arriscam suas vidas diariamente para proteger a população. No entanto, não podemos permitir que os maus elementos continuem manchando a reputação da corporação. Se queremos uma polícia íntegra e respeitada, devemos agir contra qualquer forma de abuso.
Tino Cavalli está visivelmente desconfortável com a postura firme do Coronel Henrique Alencar e tenta interrompê-lo várias vezes, sem sucesso.
— Coronel, isso é inadmissível! Está colocando a culpa na imprensa agora?
— Não estou apontando culpados e inocentes, Tino. Estou pedindo responsabilidade. A imprensa pode moldar opiniões e, com isso, uma grande responsabilidade. Em vez de incitar a desconfiança e o ódio, seu papel deveria se concentrar em promover a verdade e a justiça de forma imparcial.
— Sei que o senhor está irritado, mas essas são questões sérias que não podem ser varridas para debaixo do tapete. A sociedade espera transparência e justiça, e é exatamente isso que estamos buscando. Nenhum policial deve temer a justiça se estiver agindo corretamente.

💪💪💪


A audiência acompanha o destempero de Tino ao vivo. Nas redes sociais, o apoio ao Coronel Henrique Alencar cresce rapidamente, enquanto Tino perde credibilidade.
— Estou à disposição para discutir qualquer outra questão de segurança pública, Tino, mas nunca deixarei de lado a verdade e a justiça, independentemente da pressão.
Tino, frustrado e fora de si, chama o intervalo comercial.
— Arregão, covarde — murmura André.

💪💪💪


— Coronel, isso é uma palhaçada! Você está tentando manchar a reputação da minha emissora diante do Brasil todo! — grita Tino, fora de controle.
— Tino, eu não estou aqui para brigar. Vim esclarecer os fatos e defender a justiça. Se o senhor não consegue lidar com isso de maneira profissional, é um problema seu, não meu. 

💪💪💪


Isso é inaceitável! 

Beto e André acompanham o barraco ao vivo:

— Estou atualizando o feed porque se esse momento icônico da televisão não virar meme, não sei o que faço, pô! — diz Beto, atento às atualizações das suas redes sociais. Todos temos muito respeito pelos memeiros da pátria e seus olhares apurados para eternizar grandes momentos.
— Quando é para vencer uma discussão, o arregão não aguenta dois minutos de debate — André zomba do apresentador.


💪💪💪


A quem interessar possa, Tino Cavalli alega uma “indisposição” e deixa o estúdio do jornal noturno, já os memes são compartilhados e se eternizam na web. No entanto, uma má notícia interrompe a programação para anunciar com pesar o falecimento do menino Luan, que não resistiu aos ferimentos.
Informação de momento… — Edu Meirelles comanda o Boletim Extraordinário que interrompe a reprise de uma novela. — Luan Baltazar de Sousa, o menino Luan, acaba de falecer. São 21h52 e, como vocês podem acompanhar, a equipe médica responsável pelo tratamento de Luan dará uma entrevista coletiva à imprensa.
Por outro lado, a TVTV ignora o caso.


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