Arquivo Malacubaca | Noviça e o ET de Varginha (1996)



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Assim que a notícia sobre o ET de Varginha chegou aos ouvidos da imprensa, Noviça foi designada a cobrir o fato, deslocando-se para a referida cidade no interior mineiro. 
A fofoqueira enxergou naquela oportunidade a chance de não apenas provar a existência de seres extraterrestres entre nós, bem como realizar a primeira entrevista interplanetária na televisão brasileira.

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Estamos no município de Varginha, localizado ao sul mineiro. Uma cidade bonita, pacata, pitoresca... uma cidade que hoje está no centro das atenções do Brasil, que também se faz perguntas que não querem calar, perguntas que têm deixado até os mais tarimbados ufólogos sem respostas. Nas últimas semanas não se fala sobre outro assunto. As autoridades negam quaisquer indicios de OVNIs, no entanto, não oferecem provas de que o caso do ET de Varginha é uma farsa... — narrou Noviça.

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[Atenção, tirem as crianças do sofá. Não nos responsabilizamos pelo eventual riso de nervoso]

Chovia a cântaros naquela tarde abafada de janeiro. As nuvens carregadas mergulhavam Varginha numa penumbra precoce, e o som dos trovões ecoava entre os morros como um prenúncio de algo fora do comum. Três amigas, que voltavam para casa depois de um passeio banal, jamais poderiam imaginar o que estavam prestes a presenciar. 

A câmera da Malacubaca acompanhava uma reconstituição precária: guarda-chuvas coloridos, luzes piscando ao fundo e um vulto desajeitado por trás de uma árvore. Mesmo assim, o tom grave da locução dava à cena uma credibilidade quase comovente.

As jovens garantem ter visto uma criatura de aparência incomum... o tamanho de um homem, pele amarronzada e olhos que brilhavam em vermelho vivo.

Em seguida, o depoimento anônimo. Uma voz distorcida, metálica, de arrepiar.

A gente viu ele olhando pra gente… era feio, molhado… os olhos brilhavam. Nunca vou esquecer.

— Por razões de segurança, a identidade da testemunha foi preservada — continuava a repórter, agora em primeiro plano, segurando um guarda-chuva lilás e o microfone da emissora. — Mas o medo, senhoras e senhores... o medo, esse não se disfarça.

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Entre as imagens granuladas e o som abafado da chuva, a reportagem da Malacubaca trouxe ainda o depoimento de uma fonte que, por motivos de segurança, preferiu não se identificar. A voz, propositalmente distorcida, soava metálica, quase robótica.

Eu vi com meus próprios olhos... aquilo não era deste mundo. Desde aquele dia, carros pretos passam devagar em frente à minha casa. Eu sei que estão me vigiando.

Abaixo do nome, o GC anunciava: “Doutor em Ufologia Interdimensional – Pesquisador Independente”.

— Veja bem, Noviça — começou ele, ajeitando os óculos escuros usados em ambiente fechado. — Não estamos falando de um simples objeto voador não identificado. Trata-se de uma entidade bioplásmica, possivelmente vinda da constelação de Alfa Centauri. Esses seres possuem tecnologia que manipula o magnetismo terrestre, por isso os aparelhos de televisão falham e os rádios captam vozes estranhas.

A repórter, completamente hipnotizada, acenava com a cabeça como se tivesse ouvido uma revelação divina.

— Ou seja, doutor... o senhor acredita que o incidente de Varginha não foi um caso isolado?

— De forma alguma, minha cara. O Brasil é rota energética. Desde os anos 50, há registros de seres que caminham entre nós. Só não vê quem não quer... ou quem tem medo de perder a patente.

Logo em seguida, a reportagem trouxe o contraponto “oficial”: um militar de expressão severa, identificado apenas como “Comandante N.”, que rejeitou categoricamente qualquer possibilidade de contato extraterrestre.

A imprensa tem criado versões fantasiosas sobre um simples exercício aéreo. Não há qualquer evidência de atividade alienígena em território nacional.

Bastou a negativa para que Noviça, com um sorrisinho enigmático, encerrasse o bloco da forma mais teatral possível:

Negar é o primeiro passo para confirmar, senhor comandante. E se o que vimos naquela noite for apenas o começo... então o Brasil nunca mais dormirá tranquilo.

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Munida de seu inseparável gravador, um caderno de anotações cor-de-rosa e uma caneta esferográfica azul, Noviça percorreu as ruas de Varginha com olhar investigativo. Cada esquina parecia esconder um mistério, cada morador, um potencial cúmplice de uma conspiração cósmica.

— O senhor viu uma criatura esguia, de olhos grandes, pretos e… expressão melancólica? — perguntava a repórter, com o microfone quase enfiado no rosto do pobre homem que só havia saído para comprar pão.

A resposta vinha em sussurros, desencontrada, e Noviça anotava tudo como quem decifrava um código intergaláctico. Para ela, qualquer relato — até o da moça que jurava ter visto um gato molhado — era prova irrefutável da visita extraterrestre.

Repare, caro telespectador… o olhar vago das testemunhas, o medo que paira no ar, o som dos grilos que, acreditem, parecem emitir uma frequência estranhamente alienígena! — dramatizava ela, gesticulando para a câmera.

Noviça, em êxtase, sentia-se a enviada especial da humanidade à fronteira do desconhecido. Já se imaginava recebendo um troféu Eço de jornalismo investigativo e, quem sabe, um convite da NASA.

Muitos moradores, apavorados, deixaram ou pensam em deixar a cidade — Noviça, com a voz trêmula, pausada, quase em prantos, fazia o que no linguajar jornalístico significa passagem. — Deixar uma vida toda para trás... sonhos e raízes relegados ao segundo plano enquanto perguntas continuam sem respostas.

Para ilustrar o drama, a reportagem exibiu imagens de uma rua destruída por um temporal que nada tinha a ver com o caso. Árvores caídas, uma senhora recolhendo roupas do varal e um cachorro molhado correndo sob a chuva — tudo devidamente reaproveitado do arquivo da emissora.

Veja, caro telespectador, o medo está no ar... e ele tem forma, cheiro e até um som característico: o silêncio das noites varginhenses. — concluiu, segurando o microfone com a mesma solenidade de quem anuncia uma guerra.

De repente, o olhar da Noviça se fixou em algo à beira de uma cerca: um pequeno fragmento metálico, meio enferrujado, coberto de terra. A respiração dela prendeu. O coração disparou.

O cinegrafista aproximou o zoom, e a música de suspense subiu.

— Atenção, pessoal de casa! Muita atenção! — exclamou ela, com a voz embargada pela emoção. — Estamos, possivelmente, diante do primeiro indício físico da presença extraterrestre em território nacional! E digo mais: nunca antes na televisão brasileira um registro tão impactante foi feito, e com exclusividade na tela da Malacubaca!

[Em primeira mão: equipe da Malacubaca encontra indícios de extraterrestres]

Da bolsa, a repórter retirou um par de luvas de borracha amarela — o mesmo tipo usado em faxinas domésticas — e as vestiu com solenidade científica.

— Fui orientada pelos nossos consultores em ufologia a tomar as devidas precauções — declarou com a solenidade de quem acreditava mesmo estar vivendo um momento histórico, enquanto o cinegrafista tremia de tanto rir por trás da lente.

Curvou-se com todo o cuidado, como se tocasse uma relíquia de outro planeta, e apanhou o objeto com as pontas dos dedos.

— É leve… metálico… e, veja só, apresenta uma coloração… acinzentada! Sim, acinzentada! Seria este o tom característico das naves alienígenas? Ou apenas o reflexo do alumínio comum? — ela pausou dramaticamente, encarando a câmera. — Deixo a dúvida no ar.

O vídeo encerrou com a imagem do fragmento sendo cuidadosamente colocado dentro de um saco de pão, “para posterior análise laboratorial das autoridades competentes”.

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A audiência da emissora triplicou nesse ínterim. Crentes ou não na existência de extraterrestres, os telespectadores sintonizavam na Malacubaca para acompanhar os noticiários, ou melhor, as reportagens de Noviça. 
A repórter aproveitou a ocasião para revisitar outros casos envolvendo a visualização e aparição de OVNIs, o timing não poderia ser mais perfeito. Mesmo com a postura esquiva das fontes oficiais, Noviça traçava paralelos entre o incidente em Varginha com outros que ganharam notoriedade no Brasil.

Aparentemente, o caso de Varginha não seria o primeiro e talvez nem o último registro de uma visita indesejada ao planeta Terra. Trinta anos antes, em agosto de 1966, o Brasil já havia sido palco de um episódio que desafiou a lógica, a ciência e a sanidade humana.

No alto do Morro do Vintém, em Niterói, dois técnicos em eletrônica foram encontrados sem vida, lado a lado, trajando elegantes ternos e misteriosas máscaras de chumbo. Nenhum sinal de luta, nenhuma gota de sangue. Apenas um bilhete, com instruções que mais pareciam o roteiro de um ritual cósmico: “16h30 estar no local determinado. 18h30 ingerir cápsulas. Após o efeito, proteger metais, aguardar sinal, máscara.”

O que eles esperavam ver? Que sinal aguardavam? Estariam tentando decifrar mensagens de outra galáxia ou simplesmente brincando com forças que jamais deveriam ter despertado?


Três décadas se passaram, mas o enigma persiste... e agora, sob o céu enevoado de Minas Gerais, a história parece repetir-se com inquietante semelhança. 

— O mesmo silêncio das autoridades. O mesmo medo nas ruas. O mesmo olhar perdido daqueles que juram ter visto o impossível. Coincidência? Engano coletivo? Ou uma nova tentativa de contato? De Varginha, Carmen Angélica para a Malacubaca.

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Quarta-feira, 21h12

A novela das oito estava no auge. Na reta final e marcando expressivos índices de audiência, ninguém queria perder as revelações bombásticas que estavam por vir, a exemplo dessa...

— Teodora, eu... eu preciso... eu preciso te dizer toda a verdade... — declarou o galã para a personagem.
— O que pode separar dois corações que se amam tanto?
— Nosso amor é impossível. — O galã aproximou-se da protagonista e tomou as mãos dela: — Há um segredo que nos impede de consumar nosso amor.
— Seja direto, Arquelau. Estou farta dos seus exageros e das suas desculpas. Sei que seu coração pertence a outra mulher, é esse o grande segredo que você tem a me contar.

A protagonista estava prestes descobrir que o homem que amava era, na verdade, seu meio-irmão, quando a vinheta do Boletim Extraordinário interrompeu a cena decisiva.
Um segundo de silêncio.
Depois, a imagem de uma mulher loira, encharcada de chuva, segurando um microfone coberto por uma capa de plástico transparente.

Senhoras e senhores, interrompemos nossa programação normal para um comunicado urgente! — anunciava Noviça, com a voz trêmula e teatral. — Diretamente de Varginha, no sul de Minas Gerais, onde, segundo fontes confidenciais, um ser de outro planeta pode se manifestar a qualquer instante!

O vento soprava tão forte que o repórter-cinegrafista quase perdeu o enquadramento. Noviça ajeitou o cabelo e prosseguiu, como se falasse ao mundo inteiro:

Estamos diante de um momento histórico, sem precedentes na televisão brasileira! O Brasil inteiro acompanha, ao vivo, as movimentações das autoridades e o clima de apreensão entre os moradores. E, claro, a Malacubaca está aqui, com exclusividade!

Cortou para imagens tremidas da equipe caminhando por uma estrada de terra lamacenta, iluminada apenas pelos faróis da van. A trilha sonora do Boletim tocava em ritmo lento, tenso.

A qualquer instante poderemos testemunhar um evento inesquecível, um grande e significativo passo para a humanidade!

E nesse exato momento, uma luz forte, reflexo de um carro de polícia, passou por trás dela.

Ela se virou, ofegante:
— Meu Deus... é ele?

O cinegrafista tremeu a câmera, e a transmissão saiu do ar no exato momento em que uma luz forte iluminava o rosto da Noviça.
O público ficou em silêncio. Alguns acharam que o sinal havia caído. Outros juravam ter visto uma silhueta atrás dela.

A programação normal voltou sem explicação.
Nenhum comunicado oficial. Nenhum pedido de desculpas. O segredo de Arquelau,que prometia abalar as certezas de Teodora, ficou em segundo plano após aquele plantão telejornalístico que virou uma espécie de lenda até a última terça-feira (21), quando um canal na rede de vídeos longos publicou o momento mais curioso da televisão brasileira após quase três décadas de teorías da conspiração.

Nota da autora: Trinta anos depois, Carmen Angélica Esteves ainda acredita que viveu o maior furo de reportagem da história. A Malacubaca, por sua vez, acredita que a reportagem viveu o maior furo já transmitido em rede nacional.

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