Edu e os amigos faziam bolões futebolísticos havia décadas e todos, todos eles, mesmo os mais recentes, estavam anotados em cadernetas. Sentados em volta da mesa retangular próxima da churrasqueira, o jornalista, que cuidava daquele legado, abriu a cadernetinha e destampou a caneta esferográfica azul para anotar os palpites de todos.
— Vou anotar bem direitinho para ninguém depois vir com caô! — Edu provocou os amigos.
— E quem é que entende esses seus garranchos? — Devolveu Salamão. — A Renatinha entende esses seus garranchos?
— Engraçadinho… — resmungou o jornalista. — Eu começo! E vou de 5 a 2: 2 do Vini Jr., um de pênalti do Neymar, um do Pedro e outro do Richarlisson. Vou de 5 a 2 porque confio que hoje acaba essa maldição das quartas-de-final. E tenho dito. Porque se a Croácia perder, podem me zoar, mas vou descolorir o cabelo e correr peladão pelo quarteirão.
— Está de brincadeira, mermão? — Ralhou Kejadin, que havia “nevado” quando o Flamengo venceu o Corinthians nos pênaltis pela Copa do Brasil.
— Não pode voltar! — Lembrou Quibão.
— E eu lá sou homem de voltar nas minhas decisões?
— A gente mesmo vai te ajudar a pagar a prenda.
Renata surgiu na conversa:
— Correr nevado e pelado pelo quarteirão?
— A patroa tem razão — concordou Kejadin.
— Tem que honrar a palavra, docinho. Prometeu, tem que cumprir!
— Vai dar 3 a 0 facilzinho... — disse Quibão, que no lugar da camiseta amarela, usava o manto rubro-negro cuja numeração nas costas homenageava o brilhante centroavante que fez uma campanha irretocável naquele ano.
— Sou mais modesto, fico no 2 a 0... — opinou Salamão, que também não se sentiu confortável para vestir verde e amarelo para não ser confundido com membros daquela extrema-direita que acampava nos quartéis pedindo intervenção militar por não aceitar o resultado das eleições.
Pirata, o cachorro, mantinha-se equilibrado nas patas traseiras, tudo na esperança de abocanhar o cesto com os pães de alho, esperando um momento de distração humana para agir.
— Hummmm, que linguiça gostosa... — alegrou-se Kejadin, pegando uma linguiça com um palito de dente e degustando com satisfação.
— Essa é das boas, cara. — Gabou-se Edu. — Quando eu banco o churrasco é isso aí, é carne de primeira, mermão!
Havia três futons, três sofás e uma poltrona disponíveis. Edu ocupou a poltrona preta e os amigos se ajuntaram em um sofá antigo de três lugares, Renata sentou-se no sofá de dois lugares à direita da poltrona, Pirata acomodou-se ao lado da churrasqueira, aquele, sim, era um baita programa para ele.
— Vêm aí 90 minutos de pura emoção — bradou Rubão, o “emocionado”. — Se o Brasil vencer a Croácia, pode enfrentar Holanda ou Argentina na semifinal e é o que vamos saber mais tarde, às 16h. Que vença o melhor!
— Que Argentina o quê, rapá. Vai dar Brasil! — Reclamou Salamão.
— Bora secar, bora secar... — disse Quibão.
— Antes de pensar na Argentina tem que torcer para dar clássico na semifinal, para a gente esculhambar os hermanos. — Concordou Kejadin.
— Para pegar a França ou a Inglaterra?
— O Brasil pega a França e mete 3 a 0 para lavar a nossa alma. Já se foi o tempo de ser freguês! — Respondeu Edu, sem titubear. — Mas uma final contra a Inglaterra não seria nada ruim. Campeão que é campeão não escolhe adversário. E tenho dito.
— Se der ruim, é porque o Mick Jagger estava assistindo… — avisou Salamão.
— Se o time joga mal, é culpa do cara? Vá ser supersticioso lá na casa do capiroto, mermão!
— Todo time para quem ele declara torcida se dá mal!
— Foi só coincidência.
E a conversa findou-se.
Ouviam-se resmungos, alguns palavrões inevitáveis, alguns bocejavam de tédio, todavia, os mais experientes tinham ciência de que tudo era possível enquanto a bola rolava.
— Quem está em casa acompanhando a transmissão é o nosso Edu Meirelles, ele estava precisando de repouso. Um abraço para você, Meirelles. Volta logo, porque você faz falta, rapá. — Disse Rubão.
Os amigos de Edu o olharam ao mesmo tempo, e ele respondeu:
— Isso é para quem tem moral!
— Nem se acha o CR7 da Shopee… — atiçou Quibão.
Se o primeiro tempo foi fraco, as expectativas eram maiores para a segunda etapa.
A fumaça saía da churrasqueira, como cheirava bem aquela carne de primeira. O tempo estava tão abafado que a temperatura máxima passou de 30º antes do meio-dia, mas bastou dar uma olhadinha no céu e lá estavam aquelas nuvens enormes e escuras a prenunciarem um temporal. A ventania estava tão grande que portas e janelas batiam, cortinas voavam e ouvia-se uma trovoada ou outra. As nuvens escuras anunciavam a chuva.
— Pelo jeito vai cair um toró hoje. — Kejadin olhava para o céu escuro.
Quem não estava nada confortável era o cachorrinho Pirata. Se não bastassem os ruídos insuportáveis dos morteiros e a iminência de queima de fogos, só faltava essa, tempestade. De fato, não era o dia de sorte dele. Se ao menos eu pegasse uma alcatra quando o Edu estivesse vendo o jogo, mas, ora essa, ele me flagrou no ato e ralhou comigo. Não sei como pode dar errado, eu sou um caçador como poucos.
Começou o segundo tempo e a chuva também. Lá no Oriente Médio, entretanto, a rede não balançou nem de um lado, nem do outro, tal como em um clássico tenso. Uma equipe retrancada e a outra pronta para impor um contra-ataque no primeiro momento de deslize.
— Deixa eu aproveitar e mandar lembranças ao nosso amigo Edu Meirelles, que está fazendo muita falta nesta transmissão. Melhoras, campeão. O Meirelles está de molho em casa, mas logo estará de volta. — Declarou Rubão.
— Ê, lasqueira… — caçoou Renata, risonha.
— Para todo efeito eu estou de atestado — defendeu-se Edu, cínico.
— Seu diagnóstico é fanfarricis incurabilis, isso sim. O que não entendo é como o RH da emissora aceita desculpa esfarrapada, que soa a 5ª série.
— Lembre-se daquela figurinha Amar é*, docinho. Amar é aturar as piadas de tiozão do pavê e rir como se fosse a primeira vez. — Entoou o jornalista.
— Não acredito que vai para a prorrogação — lamentou-se Quibão. — Se for para os pênaltis, já era, mermão.
— Vamos ver quem sobrevive até lá para contar a história — concordou Edu. — Mas a prorrogação me traz más lembranças. — O jornalista referia-se à dramática derrota do Flamengo de Jorge Jesus contra o Liverpool, por 1 a 0, na prorrogação.
Chovia forte, mas por ora nem as pedras de granizo atrapalhavam porque a área da churrasqueira era protegida por uma enorme parede de vidro, que conectava o resto da casa. A visibilidade era péssima, porém ninguém pretendia pegar a estrada naquele momento, não quando a Croácia balançava a rede, para o desgosto de milhares de torcedores reunidos Brasil e mundo afora.
O clima de indignação era grande e contagiante, isso porque alguns atreviam-se a dizer que já previam o desastre, isso até o camisa 10 fazer o gol e mostrar que o Brasil ainda estava vivo no jogo e, durante a comemoração barulhenta entre amigos, a energia elétrica acabar.
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