A imagem foi congelada na tela. Cortou para a câmera 3 do estúdio, cujo enquadramento mostrava Rubão da cintura para cima.
— Quer saber como ficou o gato borralheiro trapalhão? Só depois do intervalo! — Disse o comunicador. — Não perca, depois do intervalo, a transformação dos fados padrinhos.
Rubão era e continua sendo o Rei dos Domingos. Conseguia manter a façanha de prender a atenção do público até o último segundo, em tempos os quais disputa atenção com plataformas de streaming e as redes sociais. Ao ouvir as instruções da diretora no ponto eletrônico, viu o sorriso murchar:
— Patrão, promessa é dívida. — Advertiu a diretora da atração. — Você disse que se a gente chegasse a 20 pontos, dançaria a Dança do Pombo no palco do programa. A gente se esforçou para fazer uma edição bacana, até passou da meta, bem ao estilo Rubão. Agora é com você!
— Eu estava tirando onda... não falei a sério... — Rubão falou mais baixo, porém conhecia sua produção o bastante para saber que teria de cumprir a promessa.
— Dez segundos para estar ao ar...
Rubão recompôs-se e o programa voltou do intervalo.
Assim como em todas as redações que funcionam seriamente no país, os jornalistas devem seguir um código de ética no ambiente de trabalho. No entanto, Eduardo Meirelles é a exceção das exceções, a única informação relevante para darmos continuidade à história.
— O que foi que vocês fizeram com o meu cabelo, seus miseráveis? — Chocado, Edu correu para tentar dar um cascudo nos amigos, mas não conseguiu alcançar ninguém.
— Calma, rapá! — Pediu Rubão, cínico. — Calma!
— Eles me deixaram parecido com um Smurf. O combinado era nevar, não virar sósia do Smurf.
— Cê está precisando de uma massagem, rapá. Minha equipe trouxe uma massagista fora de série, que mãos abençoadas, minhas dores na lombar melhoraram uns 200% depois que comecei a fazer sessões com ela. Anda, troca de roupa, logo vai começar a sessão de massagem.
Edu Meirelles adentrou o banheiro da área de lazer, fechou a porta atrás dele e tirou toda a roupa, deixando as peças em cima do cesto de roupas, como mandou a produção do programa, conversando consigo mesmo:
— Bem que eu estou precisando de uma massagem. Não foi uma boa sair me escorregando daquele jeito e o pior de tudo: à toa.
Distraído, Edu nem havia reparado que não tinha roupão branco atoalhado nenhum, nem mesmo os que utilizava habitualmente.
— Miseráveis, filhos da mãe... — praguejou o jornalista. — Sabia que quando a esmola é demais, o santo desconfia!
Duas batidas de punho fechado na porta do banheiro tiraram Edu dos próprios pensamentos em voz alta:
— E aí, Edu? A gente não tem o dia inteiro, não! — Reclamou Rubão.
— Da próxima vez vai ter volta, ah se vai!
Ciente de que não havia escapatória, Edu abriu a porta do banheiro e tomou um susto quando reparou em um detalhe: todos os seus outros amigos também estavam como vieram ao mundo. De acordo com Rubão, se todos caíram no golpe da falsa vitória, nada mais justo pagarem a promessa juntos.
— Não corro por aí vestido, quanto mais pelado! — Suspirou Kejadin.
— Um dia a gente ainda vai escrever um livro contando essa história, mermão! Não tem como! — Concordou Salamão.
— Amigo, não é isso mesmo? A gente paga promessa junto também! Já que é para correr pelado pelo bairro, a gente corre junto — Opinou Quibão.
— Eita! O combinado não era dar uma voltinha no quarteirão?
— Eu sei lá... — Kejadin deu de ombros.
— Não sei qual de vocês colocou a gente nessa encrenca, mas eu ainda hei de descobrir! — Atalhou Edu, correndo na frente dos outros, que tentavam alcançá-lo.
Dois cinegrafistas corriam atrás e a frente dos amigos para fazer a cobertura daquele evento inusitado que parecia chamar atenção mais do que a tradicionalíssima Corrida de São Silvestre. No entanto, os vizinhos de outras ruas não estavam a par do que acontecia na residência de Edu Meirelles e a polícia recebeu dezenas de ligações "anônimas" a notificar um quarteto de lunáticos correndo nus à luz do dia.
A maratona às avessas foi interrompida em uma rua próxima à avenida que dá acesso a uma via rápida. Duas viaturas da polícia cercaram bruscamente os quatro amigos. Três policiais armados desceram do carro prontos para uma abordagem violenta e quando viram os cinegrafistas registrando tudo em tempo real, o sargento, um homem baixinho, corpulento e impaciente, tentou cobrir a lente com as mãos.
— Pó pará di filmá — bronqueou. — Num é pá filmá nada! Num falei? Desliga a câmera! — E ordenou para o outro sargento, de estatura alta e corpo desengonçado: — Revista eles aí, Godofredson!
— Mas eles estão pelados, chefe!
— Num vai fazê o que eu mandei? — Esbravejou Mirisvaldo, o sargento marrento.
A tenente Karina, uma mulher de cabelos louros presos em um coque por baixo do quepe, entre 25 e 40 anos, olhava discretamente para Edu.
— Pois bem, senhores. Nós recebemos algumas queixas sobre os senhores estarem andando nus em via pública.
— É do Programa do Rubão! — Insistiu um membro da produção.
— Quer que eu acredite em migué? — Reagiu Mirisvaldo. — Cês "tudo" vão em cana aprender a respeitar um policial.
— Longe de mim desrespeitar o senhor ou qualquer outra pessoa, mas eles estão participando de um quadro do Programa do Rubão. Eu falei pá disligá essa câmera.
Mirisvaldo, possesso, derrubou o equipamento no chão.
— Quando eu mando fazê alguma coisa é pá fazê!
Godofredson ao menos ofereceu cobertores para os quatro amigos se cobrirem e eles aguardavam o desfecho da situação sentados no meio-fio, em silêncio.
A polícia está aqui.
Rubão
A polícia?
Produtor
A galera sai correndo pelada pelo bairro, o senhor queria o quê?
Rubão
Fala que é para o meu programa.
Produtor
Já falamos e um dos policiais já até partiu para a ignorância.
Godofredson e Karina tentavam acalmar Mirisvaldo, todavia, para liberar logo o trânsito e esclarecer a situação em um lugar mais apropriado, os quatro amigos, os cinegrafistas e demais membros da produção do programa foram encaminhados até a delegacia.
Chegando lá, Mirisvaldo tornou-se motivo de chacota por parte de outros colegas, ainda mais quando o mal-entendido foi devidamente esclarecido e Rubão, em pessoa, entregou sacolas de plástico com as vestimentas de Edu e dos outros pagodeiros.
— É sério que o Miri quis revistar os peladões? — Um recepcionista riu alto com o amigo.
— Eu tô ouvindo, hein? — Bradou o sargento marrento.
Voltando para casa na van da RPN, os quatro amigos, agora rindo da situação hilária, refletiam:
— Se todos vocês desligaram os celulares, quem pode ter deixado vazar aquelas imagens?
— A Renatinha, ué! — Respondeu Kejadin. — Ainda mais que ela é do contra!
— Não sou de concordar com essa cabeça de pudim, mas se nenhum de nós descumpriu o acordo, não resta ninguém a não ser ela.
— Isso é o que eu vou descobrir agora! — Declarou Quibão, que sacou o celular do bolso da calça jeans, desbloqueou a tela e apertou no ícone do Instagram, entrando no aplicativo. Por seguir e ser seguido por Renata, não seria tão difícil averiguar o mistério.
— Não quero tirar as suas esperanças, Quibão, mas esses stories já não devem mais estar disponíveis — comentou Edu.
Bufando, Quibão murmurou uns palavrões e balançou a cabeça negativamente.
— E aí? — Quis saber Salamão.
— Foi a Renatinha mesmo? — Inquiriu Kejadin.
— Eu sabia que tinha sido aquele estropício — rosnou Quibão.
— Vê lá, hein, vê lá como você fala da Renatinha — avisou Edu.
— Eu sabia. Ele sempre está se metendo onde não é chamado. Como eu fui tão tapado? Só podia ter sido ele?
— O "Estropício"?
— Ele postou isso há 23 horas.
— E a gente, naquela festança toda, nem percebeu... — deduziu Salamão. — É isso, gente, vivendo e aprendendo. A vida está sempre ensinando a gente.
— Não sei quanto a vocês, mas a lição que eu aprendi hoje é: amigos, amigos, apostas à parte. — Brincou Edu Meirelles, que depois do perigo com o sargento Mirisvaldo, fazia piada da situação.
— Depois que passa, a gente ri, mas na hora as pernas tremiam que nem varas verdes. — Caçoou Quibão.
— O que importa é o que já passou e tudo ficou esclarecido, mas já que o Rubão é sacana, está na hora de ele provar do próprio veneno.
Por isso, quando o quadro acabou, em vez de o corpo de baile entrar nos estúdios vestidos de esparadrapos, caixas de primeiros-socorros, band-aids para anunciar o Cacetada Awards, o sobe som deu destaque à Dança do Pombo. Os bailarinos entraram coordenados para o apresentador ficar ao centro e ele, todo descoordenado, usava uma fantasia do Canarinho Pistola.
No telão (e em casa também) os espectadores reviam flashes das diversas travessuras protagonizadas pelo comunicador. A primeira é épica: aconteceu ao vivo, pouco antes da cerimônia da copa de 1990, quando Rubão estava num rinque anunciando o tradicional Bolão do Rubão ao respeitável público, e se pagando de craque da seleção, correu para chutar a bola no gol, mas se escorregou sozinho e a bola nem sequer se mexeu.
Outro, muito marcante, aconteceu em um especial de ano-novo quando ele recebeu um espumante por parte do assistente de palco, criou todo um clima para fingir que faltava pouco para a meia-noite (a atração era gravada com um mês de antecedência) e bem na hora de abrir a garrafa, a rolha acertou o telão com tudo, quebrando-o.
Passaríamos uma noite inteira rememorando às vezes em que o Rei dos Domingos se deu mal, todavia, uma característica marcante dele é a de rir de si e entrar na brincadeira.
Ao fim do número de dança, Rubão chamou o intervalo de um minuto para que os apresentadores da revista eletrônica que entrava no ar logo depois do programa fizessem a chamada do jornalístico.
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