— Não me diga que estamos sem luz! — Desesperou-se Edu.
— Tenta o wi-fi — sugeriu Renata, irônica.
— O Meirelles proibiu wi-fi na festa… — lamentou Salamão.
— A gente cruza os braços e espera o pombo-correio chegar — debochou Kejadin. — É rapidinho!
Renata revirou os olhos.
— Tá, não está aqui quem falou! — Bufou Kejadin, que tentou quebrar o único regulamento imposto por Edu.
— Pô, Edu, é exceção, vai… — implorou Quibão. — A gente só vê o que vai dar no jogo, que mal tem?
— Tá brincando, mermão? Regras são regras! — Edu, reiterou, firme.
— O Quibão não pagou minha conta do celular este mês, aí dá nisso! — Atalhou Estropício. — Estava usando os dados, agora deu ruim…
— E quem é que paga os dados, hein? — Ralhou o sogro.
— Só esse mês…
— E os outros 11 ou pensa que nasci ontem, mermão? Eu pago as contas da minha filha porque, se depender de você, nem carne de terceira tem no churrasco — retrucou Quibão.
A energia elétrica foi restabelecida e Edu, animado, apanhou o controle remoto, apertou o botão de ligar e o aparelho não reagiu.
— Tá de brincadeira… liga aí! — Edu falou para ninguém em especial. — Liga aí, cara. Não vai deixar a gente na mão logo agora? É copa do mundo, vai…
— Ihhh, cara. Deu ruim! — Alardeou Salamão.
— Aparelho de segunda mão dá nisso mesmo! Quase dez mil nessa porcaria para não aguentar um mês… — reclamou Edu, inconformado. — Obsolescência programada… — Ele fez o gesto conhecido por banana. — Aqui, Farroupilha!
— E a gente aqui perdendo tempo… — concordou Renata.
— Põe no rádio! No rádio, poxa! — Ordenou Kejadin, exaltado, mas com razão. O locutor tinha razão quando disse que aquele jogo era para os fortes. — Liga o rádio. Está passando o jogo no rádio. No rádio do celular. Bota na caixa de som!
Edu Meirelles sintonizou o rádio do celular no alto-falante:
— Final da prorrogação… — anunciou o locutor. — Brasil e Croácia vão disputar a primeira vaga para a semifinal nos pênaltis.
— Agora vai ser para quem tem coração forte.
— Não quero nem ver… — Comentou Renata.
— Ah, a gente passa… — animou-se Edu. — Posso ter muitas críticas ao Neymar, mas que ele tem categoria para cobrar pênalti, isso ele tem. Tem que colocar o Neymar para cobrar primeiro, a menos que esse treinador esteja brincando com a sorte.
— Bom, para quem estava caindo nas quartas, ir pra semifinal é pouco, a gente quer é ver a final! — refletiu Salamão.
— Se liga, Meirelles. — Kejadin apontou com o indicador na direção de Edu. — Se liga porque se der ruim, você vai ter que cumprir a aposta nevado e pelado.
— E agora o Brasil vai para a sua primeira cobrança…
No entanto, bem naquele instante, a estação de rádio ficou fora do ar, para um coletivo murmúrio.
Edu fez que não ouviu.
— Já começou mal… — murmurou Quibão.
— Se fosse para passar vexame assim, melhor cair na fase de grupos… — Kejadin cerrou o punho por cima da coxa.
— Isso tudo é porque EU não fui convocado.
— Ah, para de inventar desculpa, Meirelles. — Todos responderam em uníssono.
— Inventar desculpa? Eu tinha tudo para ser um baita de uma camisa 10, com categoria, ímpar talento, mas não pude seguir o meu sonho e deu no que deu.
— Ah, vá… não seria nem gandula… — retrucou Quibão.
O terceiro pênalti balançou a rede.
— A esperança é a última que morre, mermão! De virada é sempre mais gostoso! — Gritou Edu.
— Tudo para não nevar, tô sabendo — provocou Salamão.
— Eu ainda acho que deixar o Neymar para cobrar por último é de uma irresponsabilidade sem tamanho, mas não está aqui quem falou.
Quibão tampou os ouvidos na quarta cobrança e o gol de categoria, senão o melhor de todos, manteve os ânimos dos torcedores que acompanhavam o desenlace da partida contando apenas com as coordenadas do locutor, mas… novamente houve queda de energia elétrica e, pior ainda, o celular de Edu descarregou.
— NÃOOOOOOOO! — Todos os homens ajoelharam-se em frente ao aparelho cuja tela estava escura.
— LOGO AGORA? — Edu Meirelles apoiou as mãos na cabeça.
— Eu adoraria ficar um pouco mais com vocês, mas preciso ir… — despediu-se Renata, que acompanhava a partida pelo aplicativo da RPN no celular. Ela adentrou a cozinha às escuras e ativou os fones de ouvido sem fio. Rubão, desalentado, anunciava:
— A seleção brasileira está eliminada da Copa do Mundo no Catar…
Renata teria contado de uma vez por todas, se não fossem dois detalhes que a dissuadiram: a rua estava alagada e intransitável. O outro pretexto se deu quando ela acessou o aplicativo de apostas e ganhou 300 mil reais por ser a única que cravou aquele placar.
Sem conseguir esconder a euforia, comemorou:
— UHUUUUUU, UHUUUUUUUUUUU, UHUUUUUUUUUUU... Eu sabia, eu sabia…
Ao ouvirem Renata cantar alto, deduziram que o Brasil havia vencido a Croácia na disputa por pênaltis.
— Não te falei, cara! — Garganteou-se Edu. — Não te falei que era barbada?
— Foi por pouco… — concordou Estropício.
— Vocês aí sofrendo por antecipação, mas quem conhece as regras do futebol não se deixa esmorecer. Jogo bom é jogo difícil. Quem viver, verá.
Renata respirou fundo antes de ir ao encontro dos amigos, chegou o momento de contar a verdade, porém mal deu um passo para fora da cozinha e Edu a chamou para um abraço coletivo.
— Espera… eu… — Renata mal conseguiu se pronunciar dentro daquele abraço caloroso.
— Hoje a festa só tem hora para começar — declarou o anfitrião.
Ela o olhou confusa.
— O Brasil ganhou, amor. — Ele a beijou nos lábios e a trouxe para a comemoração coletiva. — Agora resta saber qual será a pedreira na semifinal. O fim de semana já começou.
Ele vai descobrir de qualquer jeito, pensou Renata. Mas da promessa ele não vai fugir, não, senhor.
— Cadê o foguetório? Cadê a festa? — Questionou Kejadin, assim que os amigos se soltaram do abraço.
— Ninguém sabe ainda — mentiu Renata.
— Não brinca! — Exclamou Salamão. — Só a gente sabe?
— A vizinhança está sem energia e provavelmente sem wi-fi também… — atalhou Quibão. — Essa chuva não foi mole, não, mermão!
Renata meneou a cabeça.
Edu, o anfitrião animado, buscou a caixa de som, acessou o aplicativo de música do celular e deu play na playlist de festa. A primeira a tocar foi Uma partida de futebol, clássico atemporal composto por Nando Reis e imortalizado pela banda mineira Skank. Em seguida tocaram: Festa, da Ivete Sangalo, seguida de Deixa a vida me levar, do Zeca Pagodinho; Waka Waka, com destaque para a canção de Mumuzinho, Eu mereço ser feliz.
— Na terça-feira é nóis. Terça-feira é feriado, mermão! — Anunciou Edu Meirelles. — Na terça-feira, a festança só tem hora para começar!
— Cuidado, hein, Meirelles! A chefia vai desconfiar dessa estafa dia sim, dia não. — Advertiu Quibão.
Foi uma tarde memorável, se considerar a situação inusitada. Edu Meirelles e os amigos aproveitaram as horas sem energia elétrica e wi-fi para jogarem cartas, cantar, até começar o escorrega e bebe, uma das brincadeiras com bebida mais conhecidas.
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