15 de março de 2002.
Não tivemos aula da Carmem ontem, no entanto, a Raimunda tomou conta de nós porque o sargentão de saias deixou atividades para fazer. Respondi ao questionário enquanto conversava com os meus amigos porque quem entregasse tudo direitinho já estava liberado.
![]() |
É muito fácil você cobrar da gente o que nem ensinou! |
Sempre refleti sobre o motivo de Júlia e Rodrigo estarem felizes de terem caído na mesma turma de novo, mas isso tem explicação e não é nada de outro mundo. Eles se conhecem desde bebês porque nasceram na mesma época e têm poucos dias de diferença, sendo os respectivos pais amigos de longas datas. No entanto, ela reprovou o oitavo e ele o seguinte.
Hoje, entretanto, tivemos uma surpresa desagradável na aula dela:
“Quem está preparado para uma provinha?”, perguntou a bastarda do capiroto. “Pois hoje acordei com uma vontade de aplicar uma prova-surpresa, portanto, deixem de vagabundagem e me obedeçam. Em cima da carteira, duas ou três folhas de caderno e caneta azul ou preta, nada de lápis nem lapiseira ou corretivo.”
Ela ditou o enunciado e escreveu os critérios de avaliação dela no quadro. Vamos a eles:
1) Estudantes que terminarem de responder à prova deverão permanecer sentados e em silêncio até o fim da aula.
2) Nenhum aluno será liberado antes do último sinal.
3) A prova será corrigida durante o segundo tempo.
4) A cada erro gramatical encontrado serão descontados dois décimos; em caso de reincidência, a questão inteira será desconsiderada.
5) Quem entregar a prova em branco será punido e deverá cumprir pena após o horário de aulas.
A velha coroca sacaneou todo mundo ao cobrar conteúdos que nem tivemos ainda. Falo por mim, dei o meu melhor e confiei que, se não gabaritasse, ao menos ficaria na média. No entanto, à medida que avançava a correção, sorrisos murcharam. Van escreveu a letra de uma música de pagode, Ricardo entregou a prova em branco, Rodrigo foi chacoteado por conta dos erros gramaticais crassos e pelas respostas prolixas.
“Tita, você que sabe escrever difícil, o que é prolixo?”, indagou Rodrigo, confuso.
“A Carmen jogou sua prova no lixo?”, perguntou Deh.
“Prolixo é algo ou alguém que fala muito e, ao mesmo tempo, não vai direto ao assunto.”, esclareci ao Dico.
Deh tirou miseráveis dois pontos e não reagiu nada bem.
“Conheço bem o seu tipinho, menina petulante, quer choramingar para eu arredondar sua nota. Sim, eu arredondarei… de dois para zero.”
“É muito fácil você cobrar da gente o que nem ensinou!”, protestou Michelle. Mesmo não indo com a cara dela, precisei concordar.
“Para princípio de conversa, não sou você, sou senhora!”, gritou Carmem.
“É, e a cara nem disfarça!”, disparou Van.
Preferiria que Van e o sargentão resolvessem a treta diante da classe toda a descobrir que tirei meu primeiro zero numa prova.
“Não adianta chorar, rainha do drama, pois lágrimas de crocodilo não me comovem. Não sou a mamãezinha, não tenho medo de birra e cara feia, entendido? E vê se engole esse choro porque não tenho paciência.”
Desejei que um raio caísse na cabeça dela.
Foram pouquíssimos os que tiraram acima de 5 e escaparam da tradicional detenção do meio-dia. Se o dia havia sido ruim, entrar no carro de mamãe foi ainda pior porque ela estava com sangue nos olhos, xingou-me de tudo quanto é palavrão e puxou-me pelo cabelo.
“Onde você estava, sua vagabunda? Estava aprontando por aí? Isso lá é hora de deixar sua mãe plantada no carro te esperando? É assim que você me retribui?”
“Solta meu cabelo, pô!”
“Então me diga: o que você estava fazendo até essa hora?”
“Tendo aula.”
“Mentirosa! A aula acabou às 11h50.”
“A Carmem obriga a gente a ficar até meio-dia e cinquenta. Não tenho culpa se aquela velha coroca é uma perturbada da cabeça.”
Apanhei ainda mais por insultar a professora e tive de aguentar lições de moral durante o percurso até em casa. Omiti o zero, naturalmente, senão ela me espancaria com o chicote. Carmem disse que quem não trouxer a prova assinada pelos pais ou responsáveis, não entrará na próxima aula dela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥