SiMpLeSmEnTe TiTa 15 anos | Frigideiras Dançantes

Minha mãe tem audição seletiva, só ouve o que lhe convém.

 

12 de março de 2002.

Ontem a Deh pediu desculpas por parar de falar comigo do nada e até comprou um cachorro-quente para mim. Hoje, a contragosto de mamãe, passei a tarde com a minha amiga, fizemos os deveres de casa e ouvimos música na sala. Júlia foi ao cinema com outras amigas, elas marcaram de ficar com uns piás. 

Levei agenda, canetas coloridas, fitas e uma Barbie, ela trouxe a dela também e brincamos um pouco, não como antes, pintamos o cabelo delas com tubo de canetinha e ela confidenciou-me cortar o cabelo das bonecas quando era menor.

“Um dia, minha mãe me bateu feio porque viu a Barbie e o Ken deitados de braços dados. Eu nem sabia o que era sexo porque me lembro de brincar que eles estavam numa expedição no deserto, onde faz um frio danado à noite e eles precisaram dormir abraçados para não morrer no sereno. Adiantou explicar? Não. Minha mãe tem audição seletiva, só ouve o que lhe convém.”

“Não conta para ninguém, mas minha mãe me deu uma Barbie no Dia das Crianças.”

“Não vou contar.”

“Nem se um dia você ficar com muita raiva de mim?”

Embora ganhe roupas, CDs, fitas, perfumes e maquiagens de presente, sempre vem uma Barbie. Descobri recentemente que era o papai, não para me avacalhar nem nada do tipo, apenas para aumentar a coleção e realizar um sonho lá da infância: ter uma prateleira repleta de bonecas.

Sempre que ouvimos Baba, da Kelly Key, Deh imagina que um dia poderá cantar “baba” aos escrotos de plantão que hoje dão pitaco na aparência dela, mas no futuro se arrependerão de esnobá-la. Minha mãe implica com aquela música da Kylie Minogue e eu digo à fita “I can't get you out of my head” porque peço licença para rebobiná-la, arriscando o medo dela se arrebentar sozinha ou de mamãe enviá-la para o céu das fitas a golpes de tesoura enquanto eu estava na aula.

“Minha mãe disse que toda panela tem sua tampa, mas sou exceção porque a minha panela não tem tampa nenhuma”, brincou Deh.

“Se for assim, sou uma frigideira.”

“Vamos criar um clube?”, propôs ela.

“Nunca contei a ninguém antes, mas quando era criança, queria montar meu próprio clube. Só havia um problema: nunca tive amigos suficientes para isso.”

“Agora você tem!”

“Se for assim, precisamos pensar em um nome para nosso clube.”

“Que acha de As Frigideiras Dançantes?”

“Gostei!”

Nosso clube conta apenas conosco e se chama Frigideiras Dançantes, pois devemos ser as únicas meninas entre 13 e 14 anos que não namoram. Provavelmente há outras, porém não as conhecemos.

Afora isso, mais um dia normal. Acordar cedo, ir à aula, ter uma pilha de deveres de casa para fazer e adormecer lendo. O que não faço para entrar de férias ainda no final de junho?