28 de fevereiro de 2002.
Sobrevivi a mais duas aulas com o sargentão de saias, mas não sem passar nervoso. Ela acrescentou algumas regras novas no quadro.
🚫 Proibido liberar gases malcheirosos em classe, sob pena de cumprir castigo após o horário de aulas.
🚫 Proibido fazer adendos enquanto a docente explica a matéria.
🚫 A quebra de todas as regras poderá culminar em retenção em classe até às 13h.
![]() |
Essa luta ainda irá longe, mas venceremos no final. |
A vítima de hoje foi o Ricardo. Sim, o piá que deu um fora na Andréa. Se a vingança é negócio que vem a cavalo, no caso dele, veio na velocidade da luz. Aqui se faz, aqui se paga.
Em contrapartida, Andréa me ignorou o dia todo, sendo que deveria estar furiosa com a Michelle, não comigo. Quem pregou a peça nela foi a outra, não eu. Ela já é bem grandinha e sabe o que faz da vida, não vou me humilhar para ninguém.
O que salvou o dia foi meu pai ter me chamado para almoçar com ele, que queria escolher os presentes para o aniversário da Helena. A desculpa era passar um tempo comigo e me contar num lugar público sobre o que ocorreu há 3 anos.
“Ela disse que você não apareceu.”
“Helena e eu fomos te buscar, mas sua mãe disse que você estava febril e havia mudado de ideia.”
“Claro que não! Fiz as malas, já tinha tomado minha decisão sobre ir embora. Essa decisão deveria ter sido minha!”
“Dias depois, eu telefonei, mas ninguém me atendeu.”
“Ela trocou o número do telefone lá de casa.”
“Telefonei para o Horácio, ele confirmou isso e saí do sério quando ele me contou que a Meire estava te torturando.”
“Ela estava me perseguindo até na escola!”
“Fui duro com o seu padrasto, mas me justifico porque se você vê uma injustiça sendo cometida e não age para impedir, gostando ou não, você é conivente. E ele é conivente com os abusos que a Meire pratica contra você.”
“Ele sempre me defende.”
“Mas não impede a Meire de machucar você!”
Às vezes penso o mesmo, no entanto, me sinto culpada porque ele de esforça para tentarmos ser o mais próximo possível de uma família normal. Vejo a dor nos olhos dele, uma criança grande e abusada por uma mulher que claramente desconhece a capacidade de se colocar no lugar do outro e se gaba por não saber nem tentar aprender a amar.
“Só não entendi por que a mamãe teve esse surto de bondade, se é que se pode chamar assim, depois de tanto tempo.”
“Porque eu parei de ser capacho e não engoli as ameaças dela, decidi lutar por você, para ter a sua guarda e te proteger dessa desnaturada.”
“Por que só agora? E esse tempo todo? Por onde você esteve?”
“Eu estive ao seu lado todo esse tempo.”
Mamãe ameaçou denunciar papai por um suposto estupro contra mim e saiu inventando essa mentira aos vizinhos e parentes. Vó Olívia quis tirar a história a limpo e ficou tão estarrecida que teve um pico de pressão alta. Isso foi naquela época em que a mamãe me expulsou de casa no pior momento possível da minha vida, quando tentei o suicídio pela primeira vez.
Horácio pediu ajuda ao meu pai e agora eu soube que ele queria ter me tirado da casa da minha mãe antes. Foi ela saber disso que, de pirraça, me aceitou de volta e me presenteou com o Cricri no meu aniversário de 13 anos.
Em retaliação ao pedido do meu pai para manter contato comigo, mamãe teve a petulância de ir até o colégio onde Helena dá aulas e tacou uma pedra na janela, quebrando os vidros e acertando uma colega da minha madrasta na cabeça. A mulher foi parar no hospital e precisou até levar pontos no lugar do ferimento.
Um tempo depois, a casa do meu paizinho amanheceu pichada. Depois, ela ateou fogo no carro da família e pagou minha prima Clarinha para infernizar Helena com trotes noite e dia. A situação saiu do controle de tal maneira que papai abriu um boletim de ocorrência contra Meire.
Ela, indignada, acusou a Helena de ser amargurada por supostamente ser estéril e ainda fez parecer que o casal era o problema na história. Papai temia tanto pelas nossas vidas que procurou um advogado para resolver a questão da guarda com o amparo da justiça.
“É um absurdo um pai não ter o direito de ver a própria filha crescer.”
A reação de Meire das Neves foi essa: se ela perdesse a minha guarda, meu pai também não a teria. Não sei como eu não soube de toda essa encrenca.
“Eu passei todos esses anos pensando que não tinha valor nenhum na sua vida, que o meu amor por você não era correspondido!”
Meu pai tocou no meu queixo e levantou meu rosto choroso para dizer que me ama desde antes de eu nascer e assim será até depois da morte. Considerando que mamãe sempre jogou na minha cara que queria ter me tirado e só não o fez porque Félix não deixou…
“Essa luta ainda irá longe, mas nós venceremos no final!”
“Não posso acreditar que ela queria te colocar na cadeia inventando uma mentira tão séria. Depois, ela diz que sou uma pessoa horrível!”
“Você não é e nunca foi uma pessoa horrível, filhota. Não pense uma coisa dessas…”
“De tanto ela falar isso, acabei me convencendo…”
“Sei que você tem sofrido muito, mas quero dizer que agora você não está mais sozinha, você tem a Helena, tem a mim e nós três ainda seremos muito felizes juntos.”
Papai e eu nos levantamos da cadeira e nos abraçamos por algum tempo.
Mamãe me ligou mais tarde e foi um verdadeiro sufoco disfarçar o ódio que sentia de ouvir a voz dela, daquele falso moralismo podre e hipócrita e da tentativa de me colocar contra o meu próprio pai por puro sadismo.
Se ela nunca fez questão de me amar, por que impede meu pai de se aproximar?
Não sou mais aquela menininha boba de 11 anos, agora conheço a verdade. Outra versão para uma história repleta de pontas soltas, fatos que colocam em debate a credibilidade da narradora.
Estou chorando há horas porque passei tantos anos imaginando como poderia ter sido minha vida se papai e Helena tivessem me salvado, quantas coisas ruins seriam evitadas… não sei onde estaria agora, mas meu coração talvez colecionasse menos feridas… ou não… não há como saber…
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigada pela visita ao OCDM, espero que você tenha gostado do conteúdo e ele tenha sido útil, agradável, edificante, inspirador. Obrigada por compartilhar comigo o que de mais precioso você poderia me oferecer: seu tempo. Um forte abraço. Volte sempre, pois as páginas deste caderno estão abertas para te receber. ♥