Memórias invisíveis (2014)

 


Meu ponto fraco nesse labirinto mal desenhado. Não te vi em parte alguma porque nunca esteve presente. Incrementei recordações para não perder de vista os dias, mas era a mim que não reconhecia, ninguém o fazia porque estavam todos ocupados demais para se lembrarem que eu estava ali, não por opção, eu simplesmente estava, meu coração não, porque ele parou de contar o tempo, com a ajuda da saudade.

Fiquei ali até que a curiosidade pelas estrelas fosse maior que sua desatenção.

Sem grandes aspirações, tinha muito a fazer. Por mim. Pelos sonhos que sempre valeram mais do que você. Pela cura que incansavelmente busquei. Feridas reabertas, persisti num erro amansado pela culpabilização da autenticidade.

Mais uma vez ouvir mentiras e brincar de invisível, será que não me cansei?

É insano, mas não.

Cismei de ficar ali, naquela mesa onde serviria de divã e nutria ódio de mim mesma, programada para ser problema, tão diferente daquela injeção contundente de otimismo que era sombra.

Sua "saudade" alimentou o desejo que anteriormente nunca me passou pela cabeça. Você e eu não passávamos de bons amigos. Estranhos conhecidos. Um na defensiva, o outro imerso no ceticismo ensurdecedor. Quase me apossei desse desprezo pelo simples, embora fervendo de dúvidas e pendente entre a crença e a loucura completa.

Todo mundo em alguma altura da vida deve ter se olhado para o horizonte sem resposta nem bússola, sem nem saber quem era, apesar de estar com o RG no bolso da calça. Ainda faltam léguas para vislumbrar o oásis e a impaciência conta pontos contra aqueles que põem a forçar o ritmo da caminhada. Perdi a conexão com a realidade, fantasiando que seu distanciamento temperava minha timidez, que sua demonstração de afeto era torta, porém totalmente sua. Esse arrependimento arrancou a minha paz e trouxe de brinde a culpa.

Fiquei boba por você, embriagada pela carência, recolhendo suas migalhas, visualizando um banquete, sendo que a toalha nem sequer estava estendida e na minha caixa postal não constou nenhum convite. Sem nunca te chamar, você não podia me ouvir e se ouviu, fez que não. Chorei várias noites alimentando esse tal de amor sem dignidade, sem antídoto, sem trégua. Bem mais que justificar meus desatinos passados, cabia dizer a mim "eu te amo", ao contrário de você, que como tantos outros prometeu nunca me abandonar e deu as costas. Também dei as costas para mim. Um erro fatal.

O gosto do veneno ficou lá no alto da garganta de sequela. Essa irrealidade entre mim e você me custou tanto. Em troca de carícias e belas palavras, sua fraqueza me fez sangrar. Equivocada sempre estive, não me acuse. Já desempenhei essa função e não remediei as imensas agonias, apenas reflito mediante as mazelas da decepção. Não foi a primeira. 

Eu nunca precisei de você. Abro mão dessas memórias invisíveis e pouco aproveitáveis. Eu amava a projeção. Você, entretanto, eu não sei nem quem é e não movo uma palha para saber. É a mim que quero conhecer. E eu sei com muito amor que sou bem mais do que tudo de ruim que aprontaram contra mim, as bobagens que falaram (e ainda falam). Sou o tempo presente porque viver é um desafio e eu desejo mais que jogar fora meus dias cultivando um sonho que visava me inserir num mundo que nunca foi meu.

Reconhecer que não é o fim foi a chave que abriu o temido cadeado e me fez mulher.



RPN | CHORA MAIS, CASAL SEBOSO/FLAMENGO CAMPEÃO

 

Edu Meirelles cantarola o hino do Flamengo enquanto se arruma para ir trabalhar. Há quase um ano tem um item a mais no protocolo: as máscaras. As preferidas dele são as do time do coração e o desejo dele, não só dele como de todos, é que a vacina demonstre eficácia e mesmo que nada volte a ser como antes, a vida retome o ritmo, abraços sejam permitidos e todos possam celebrar.
           — Com essa doença eu não brinco. — Edu Meirelles diz a si enquanto lê notícias sobre decreto de lockdown em algumas localidades e recorde de mortes num só dia. — É, a vida tem cada surpresa. Em 2019 eu reclamava de barriga cheia, era feliz e nem sabia.
        A RPN optou por reprisar novelas antigas e disponibilizar o acervo no aplicativo da RPNPLAY para os noveleiros de plantão, exibir séries e documentários e os programas clássicos que vão ao ar adaptaram-se aos protocolos de saúde, visando sempre o bem-estar coletivo. 
Noviça topou reformular o Melhor com Noviça para se adequar ao momento atual e até que haja vacina e a pandemia fique sob controle, nada de plateia. Rubão apresenta o Programa do Rubão em casa.
    Os telejornais da emissora fazem uma cobertura digna, séria, esclarecedora, mas jamais sensacionalista e apocalíptica. A equipe do Vinte Horas está trabalhando para iniciar uma série de reportagens sobre as mudanças provocadas pela COVID-19 no Brasil e no mundo. Elas irão ao ar em março, quando completar um ano do decreto da OMS. Outra série de reportagens prevista para março é sobre a crise hídrica no Paraná, que levou ao rodízio de água para evitar um colapso que deixe as torneiras dos paranaenses sem água.

O Balanço

 


Curitiba, 31 de julho de 2017.

As pontas dos dedos alcançam as grades do balanço a fim de saudarem o velho amigo. Às vezes passei por ali e de longe o vi, sem tempo de parar pela última vez. A vida adulta transcorre com pressa, todavia trata-se de uma ocasião especial. Não existe ninguém ao meu lado para vomitar imposições a respeito da minha conduta e, para ser honesta, aprecio sobremaneira essa pequena liberdade que o destino me concede.

Parado no mesmo lugar, lá está ele, vazio em par de igualdade comigo ao rememorar nosso último encontro, eu devia ser menina ainda, tenho plena convicção. O solado do tênis está a riscar a areia. Não sei precisamente que horas são, apenas que é dia porque o sol aparece por entre as nuvens como se olhasse por mim e por todos aqueles que têm uma história que ninguém mais sabe, trancada no peito junto com uma sucessão de transformações sentidas ao redor.

Antes o campo era verde e a casas todas coloridas com seus telhados alaranjados, as crianças se amontoavam para brincar na rua, tudo tinha gosto de sorvete. As crianças cresceram, os tratores atropelaram todas aquelas casinhas lúdicas, uma por uma e em seu lugar são erguidas recriações claustrofóbicas de paraísos artificiais que por vezes turvam a visão, tentam inutilmente tocar o céu como se fossem uma prece. Todos têm a cor da melancolia, o insuportável cinzento da poluição que intoxica o consumismo. Este pequeno espaço é tudo que sobrou de uma era, todavia os olhos da ganância nunca se contentam, aqueles que ascendem ao topo aspiram; se findam em troféus banhados a bronze e estanho, menções honrosas e associações tão desprezíveis quanto aquele sorriso de quem ferrou o outro para estar onde está, mas dissimula a surpresa envolta do óbvio.

Há ferrugem por entre as correntes desse balanço, o assento de madeira padeceu aos efeitos do tempo e me abriga tão gentilmente que todo o resto se torna irrelevante.

Eu não sou a minha idade. Eu não sou o meu currículo. Eu não sou uma foto tratada no Instagram. Eu não sou o meu número de seguidores. Eu não sou o que o mundo tenta me convencer.

Eu sou bem-vinda em algum lugar. Exatamente aqui.

Eu e meu tênis vermelho. Eu e meus sonhos loucos. Eu e minhas músicas “fora de moda”. Eu e minha esquisitice. Eu e o meu extenso currículo de desilusões. Eu e a minha luta quase quixotesca para que não suguem o que ainda resta de esperança. Eu e a minha mania de esperar por quem não volta mais, mirando o horizonte em volta como se alguém fosse se sentar ao meu lado. Eu e a minha vontade de voar.

Neste instante delego ao silêncio que se faz à minha volta que me conduza porque não me sinto uma alma perdida vagando por um mundo sujo e injusto. Uma fagulha da infância persiste e eu permito que essa ilusão recrie a sensação das saudosas borboletas no estômago. Quero subir cada vez mais e fazer de conta que meu maior terror é pegar recuperação e que o medo não devora sistematicamente as minhas defesas.

Quando menina eu sonhava acordada com o dia em que seria “gente grande”. Eu imaginava um conversível vermelho numa estrada que me levaria a algum lugar. Na prática, crescer não foi tão emocionante quanto parecia quando eu não tinha idade para me sentar no banco da frente, dormir até mais tarde e escrever com caneta. A infância não passou de um sonho, a adolescência decorreu num sopro...

Troquei os balanços por outras formas de diversão e passei por eles milhares de vezes como se nunca tivesse sido criança, a cada ano que passa e a vida me rouba as pessoas que amo, os meus sonhos e refúgios até me deixar em frangalhos e apelar para cartelas que me prometem algum descanso quando bem administradas. A dose excessiva me libertaria de seguir vivendo nesse caos onde estar perdida é minha única convicção firme.

Eu poderia me balançar até a noite cair, imersa na ilusão de correr por entre verdejantes jardins e relembrar a primavera que nunca mais voltou. Não sentir dor. Não sentir nada que me faça mal. Não ver minha poesia julgada e ridicularizada por possuir a minha formatação e desobedecer às imposições que tanto me tolhem. Todo o mundo, a bem da verdade. E eu gosto quando o sol aquece o meu coração, quando ele ainda parece disposto a amar mais um pouco, amar de novo, não se fechar na dor que o endureceu.

Por isso eu me jogo de cabeça nesse emaranhado de palavras que não se configuram em gênero algum, são meramente confessionais, rabiscos num guardanapo que não pretendem ser comercializados e glamurizados.

Quero balançar um pouco mais, não gostaria de sair daqui logo agora e me descobrir outra vez obrigada a suspirar por mais este sonho esfumaçado cujos rastros de existência se vão à medida que os ruídos mundanos me situam e os olhos se abrem para um novo dia que apesar da ironia, nada me traz de novo senão a sensação de que eu gostaria de ter o tempo de volta, pelo menos o suficiente para acalentar a alma.

São apenas sonhos, todos me dirão, e eles não significam nada, não passam de pequenos lapsos de lucidez que propiciam ao corpo oprimido descansar e a alma, sedenta por liberdade, viajar para onde bem entender, mesmo que tenha hora para voltar e que pouco ou quase nada possa registrar de todas as suas magníficas experiências como turista.

Este balanço fica em algum lugar do mundo onde não apenas minha alma vaga como se sente bem. E eu me sinto tão bem... até que as notícias ruins do dia-a-dia me lembrem que eu destoo do politicamente correto, não sigo modinhas e não piso nos outros para chegar ao topo, porque embora só eu não pretendo ser mais ninguém além de mim...

Esse velho balanço afinal de contas é meu refúgio, sentar-me nele e permitir que as boas recordações prevaleçam sobre toda a tristeza que nem sempre é chorada, mas incomoda de qualquer modo porque apesar do meu aparente semblante de tranquilidade por dentro eu incendeio de vontade de voar, fazer outro trajeto, compor outros versos, não ver a vida passar como se eu estivesse destinada a ser figurante de todas essas estrelas de plástico que largam mão de todos os escrúpulos por aplausos.

Por mim eu não sairia desse balanço tão cedo. É o mais perto que eu chego de voar, de me conectar com o vento, com o infinito, com a certeza de que o existir não pode ser essa prescrição tão superficial. Esse frio na barriga nunca vai estar postado numa rede social porque ele é tão doce, tão meu, tão puro e se eu pudesse queria de volta todas as flores da primavera, as cores da inocência, melodias agradáveis que toquem a alma e não apenas lucrem.

Aos poucos o dia se faz noite e embora eu não conte as horas porque me baseio apenas pela cor do céu, estou ciente de que é hora de ir. Se algum dia terei o privilégio de retornar, não hei de prometer, me valho daquele clichê "que seja o que tiver de ser" porque desse modo não crio expectativas e não abraço a desilusão. E espero, no meu retorno, saudar o meu velho amigo como se nunca tivéssemos nos separado.


Uma ingrata espera

 

A presunção tenciona uma ideia bastante perigosa: a de agir com o entendimento de hoje se porventura me fosse concedida a dádiva de voltar ao exato ponto onde tudo se perdeu. Divagações expostas em parágrafos polidos não consolam uma alma em frangalhos, no entanto, a projeção mais benquista de caminhos refeitos aponta para um desfecho mais agradável: nunca o ter conhecido.
O bolo na garganta acumula todas as sentenças jamais proferidas, tolhendo a livre expressão, abrindo caminho para a angústia fazer morada no peito. Pensamentos intrusivos sussurram que não passo de um erro, um acidente, sem propósito algum no livro da vida, a conjunção adversativa largamente utilizada pelos covardes para desconversarem.
Os juros cobrados pela omissão foram altos.

O muro azul

 


     Hoje deparei-me com o muro pintado de azul, antes azul do que cinza, mas a tristeza não cabe dentro do peito. Ler aquelas palavras enquanto aguardava o sinal abrir para os carros preenchia o coração de esperança. "Porque sem Deus até o sol sente frio." e embora eu não tenha conhecimento da autoria desta célebre frase, sou grata a quem escreveu. 

    Ao menos tive a intuição de realizar uma modesta captura desses pequenos deleites proporcionados na selva de pedra e posso compartilhar aqueles encantos que nossos olhos sempre tão apressados deixam de apreciar.

    Não há mais a poesia para nortear os corações desalentados. Não para se ler enquanto se transita ou se espera o sinal abrir, mas ela permanece viva enquanto o amor de Deus aquecer e enternecer nossos corações durante este percurso chamado de vida. E para quem confia que tudo pode naquele que nos fortalece, é sempre natal. O ano inteiro. Por toda a eternidade.

    Sem a poesia quem sente frio é aquele que busca no meio da tristeza e da escuridão as singelezas proporcionadas por um olhar mais apurado e amoroso para as mais inspiradas obras de arte que talvez não estejam expostas em galerias, sejam produzidas por pessoas anônimas, porém repletas de amor em cada rastro deixado num mundo carente de cores vivas.

Por que abrir o caderno?

 


Foi numa tarde de domingo que o estômago embrulhou, a visão embaçou-se e uma dor lancinante me tomou de súbito. Numa sucessão de escolhas inequívocas cheguei ao que se entende por “fundo do poço”. E escolhi permanecer lá, a autocomiseração exerceu um poder invejável de persuasão, entretanto, conforme a resiliência ajudou-me a vislumbrar a fagulha de luz que me ajudaria a reencontrar o sol. Essa ideia vinha como um lampejo, mas, para prosperar, carecia de uma atitude corajosa o suficiente para não voltar às trevas. 

3 de maio | Dia do Pau-brasil

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