Uma língua viva, vestida de afetos, histórias e resistência
Celebrar o Dia da Língua Portuguesa é muito mais do que render homenagens a um idioma falado por milhões de pessoas em diferentes continentes. É reconhecer a riqueza de uma língua que se transforma com o tempo, que carrega em si as marcas da história, da diversidade cultural e das vivências de quem a fala. O português é a casa de nossas palavras, e também a roupa com que vestimos nossos sentimentos.
Um idioma que canta, denuncia, acolhe e resiste
Em 5 de maio, os países lusófonos — Brasil, Angola, Moçambique, Portugal, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe — celebram aquilo que os une e, ao mesmo tempo, os distingue: uma língua viva, cheia de sotaques, ritmos e significados.
A data foi estabelecida pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, posteriormente, reconhecida pela UNESCO, como uma forma de valorizar a herança cultural compartilhada por mais de 260 milhões de falantes ao redor do mundo.
Muito além da gramática: a língua como espelho da alma
A Língua Portuguesa não é estática. Ela pulsa nas ruas, nos livros, nas canções, nas redes sociais. É nela que choramos e fazemos rir. É nela que questionamos injustiças e proclamamos amores. E talvez por isso ela seja tão rica: porque carrega em si as marcas de cada povo que a ressignificou com suas próprias vivências.
Do fado português ao samba brasileiro, das crônicas angolanas aos poemas timorenses, a língua ganha novas vestes a cada latitude. Não existe "um" português — existem muitos. E todos eles merecem existir com dignidade, sem imposições ou apagamentos culturais.
O português que nos habita
Aqui no Brasil, a língua mistura palavras indígenas, africanas, europeias e populares. É um português mestiço, criativo e ousado, que dá voltas nas normas cultas e, ainda assim, comunica com beleza, profundidade e autenticidade. Nossa fala é rica em gírias, provérbios, ditados, regionalismos. É nela que mora o nosso "jeitinho", nosso lirismo, nosso humor.
Por isso, neste 5 de maio, vale mais do que nunca refletir sobre o poder que temos ao usar a palavra: <strong>quem ela alcança? Quem ela exclui? Que histórias ela conta? Que silêncios ela perpetua?
Falar é um ato político. Escrever, um ato de permanência.
Uma língua com muitos sotaques — inclusive dentro do Brasil
Engana-se quem pensa que o português é uma língua uniforme. Mesmo dentro do Brasil, há um universo de expressões, construções, gírias e entonações que variam conforme a região, a classe social, a escolaridade, o contexto. Nosso idioma é um verdadeiro mosaico de vozes. Do “oxe” ao “bah”, do “visse” ao “tchê”, da fala cantada do Norte à cadência urbana do Sudeste, há beleza e identidade em cada forma de dizer.
Por isso, é tão urgente combater o preconceito linguístico, que ainda hoje tenta desqualificar falas populares ou regionais, como se existisse um único jeito “certo” de falar. Não existe. O que existe é o contexto adequado para cada registro da língua.
Falar e escrever é saber se vestir para a ocasião
A linguagem é como uma roupa: ninguém vai à praia de paletó, nem dorme de salto alto. Da mesma forma, não faz sentido exigir português rebuscado em uma conversa no WhatsApp — assim como não convém usar uma linguagem excessivamente informal numa reunião de trabalho ou num texto acadêmico. Saber dominar a norma culta é importante, mas não é ela que define a inteligência ou o valor de uma pessoa.
A verdadeira sabedoria está em saber transitar entre os registros, adaptar a fala ao momento, sem jamais usar a língua como ferramenta de exclusão.
E o tal do Acordo Ortográfico de 1990?
Você já deve ter visto debates acalorados sobre a reforma ortográfica que unificou algumas regras do português nos países da CPLP. O Acordo Ortográfico de 1990 procurou aproximar as grafias do português europeu e do português do Brasil, eliminando acentos e o trema em algumas palavras, entre outras mudanças.
Apesar das boas intenções, o acordo gerou polêmicas e resistências. Muitos ainda não o adotaram completamente, o que mostra que uma língua não muda por decreto — ela muda pelas pessoas que a usam. E talvez aí resida sua beleza: a língua portuguesa continua em construção.
Falar é resistir. Escrever é permanecer.
A cada vez que usamos a palavra com consciência, estamos fazendo mais do que nos comunicar — estamos deixando um rastro, uma memória, um gesto de pertencimento. E é por isso que, neste 5 de maio, o melhor tributo à nossa língua é valorizá-la em toda sua diversidade.
Feliz Dia da Língua Portuguesa! Que a palavra nunca nos falte, e que saibamos usá-la com respeito, afeto e liberdade.
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